I – Introdução
O americano
Chester Himes, em 1937, após passar sete anos na
penitenciária por assalto a mão armada, começou a escrever
seu primeiro romance: um relato fortemente autobiográfico de
suas experiências na prisão. A versão original do livro, “O
passado fará você chorar”, foi lançada nos Estados Unidos
somente em 1998. “A luta desesperada pela sobrevivência
mostrou-me que o único lugar onde estava seguro era dentro
de minha própria pele”, diz ele.
Dráuzio Varella,
em “Estação Carandiru”, mostra que a perda da liberdade e a
restrição do espaço físico não conduzem à barbárie.
“Em cativeiro, os
homens, como os demais grandes primatas (orangotangos,
gorilas, chimpanzés e bonobos), criam novas regras de
comportamento com o objetivo de preservar a integridade do
grupo. Este processo adaptativo é regido por um código penal
não escrito, como na tradição anglo-saxônica, cujas leis são
aplicadas com extremo rigor.
- Entre nós um
crime jamais prescreve, doutor.
Pagar a dívida
assumida, nunca delatar o companheiro, respeitar a visita
alheia, não cobiçar a mulher do próximo, exercer a
solidariedade e o altruísmo recíproco, conferem dignidade ao
homem preso. O desrespeito é punido com desprezo social,
castigo físico ou pena de morte.
- No mundo do
crime, a palavra empenhada tem mais força do que um
exército.”
A indiferença é
uma prisão a que nos condenamos, como lembra o dramaturgo
Bertolt Brecht (1898-1956), que viveu duas grandes guerras,
até o período nazista da Alemanha:
“Primeiro levaram
os comunistas,
mas eu não me
importei com isso.
Eu não sou
comunista.
Em seguida
levaram alguns operários,
mas não me
importei com isso.
Eu também não era
operário.
Depois prenderam
os sindicalistas,
mas não me
importei com isso.
Eu não sou
sindicalista.
Depois agarraram
os sacerdotes,
mas como não sou
religioso,
também não me
importei.
Agora estão me
levando,
mas já é tarde.”
É sobre esta realidade que vamos refletir
um pouco: o detento, seus códigos, a realidade das prisões,
a indiferença e até mesmo a rejeição por parte da sociedade.
De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN),
em fevereiro de 2002, há 895 estabelecimentos prisionais no
país com 167.207 vagas. Sendo a população carcerária de
233.859, o déficit é de 66.917. Presos por sexo: 223.986
homens e 9.873 mulheres.
II – Objetivos
da Prisão
São objetivos da
prisão: a punição pelo mal causado, a prevenção de novas
infrações através da intimidação e a regeneração do
condenado. A Lei de Execução Penal ( n.º 7210 de 11/07/1984)
garante, ao preso, assistência material, à saúde, jurídica,
educacional, social e religiosa e impõe, a todas as
autoridades, o respeito à integridade física e moral dos
condenados e dos presos provisórios.
III– Como são
ss nossas prisões
Em 1994, no 1.º Simpósio do Sistema
Penitenciário do Estado de São Paulo, Dr. João Benedito de
Azevedo Marques, falou sobre a realidade de nossos
presídios, onde não houve mudanças. A fala, na íntrega, está
registrada em material da Campanha da Fraternidade – 97:
“ A situação das prisões no Brasil e em
São Paulo é um verdadeiro pesadelo. Tirando as exceções, a
situação é dramática. (...) Da população presa, 90% é de
marginalizados que têm dentro da prisão o mesmo tratamento
iníquo e injusto que têm fora. O que dizer da superlotação,
dos desvios, da falta de qualificação pessoal, da
assistência judiciária incipiente, da morosidade dos
processos, da comunidade que não dá emprego aos egressos, de
uma reincidência de 60%, dos presos que deveriam estar fora
cumprindo outra modalidade de pena? O que vemos é a falência
da utilização do instrumento penal. A justiça brasileira
existe para punir os marginalizados e pobres. É uma opção
preferencial pelos pobres ao contrário.”
Em 1998, de
acordo com matéria publicada no jornal “Folha de São Paulo”
( 3.º caderno, p. 5, 17/03/98), o sistema carcerário
brasileiro foi denunciado à Comissão de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas ( ONU). A denúncia foi feita
pela organização não-governamental Human Rights Watch,
autorizada pela ONU a realizar uma pesquisa sobre o tema em
70 países. A Human Rights Watch denunciou a situação crônica
de violação da integridade física dos detentos nas prisões,
cadeias e delegacias do país. A entidade também relatou a
preocupante superlotação desses estabelecimentos. Após
rebeliões e tentativas de fuga, é comum o espancamento e até
o assassinato de detentos como forma sumária de “punição”.
A alta taxa de
reincidência vem mostrando que a prisão não reabilita o
preso: pensam em fazer rebeliões e cometer novos crimes. A
distribuição de papéis, funções e tarefas, nas celas, é
tarefa do “dono do barraco” e revela o seu grau de poder e
de prestígio. O “dono do barraco” pode ser o mais velho ou o
que o comprou. A superlotação exige regras precisas e
obediência entre os presos, sem isso a coexistência se torna
insuportável, gerando conflitos, tensões, desconfianças,
brigas, vinganças e até mortes. Quanto mais lotado o xadrez,
mais briga, porque não existe o menor espaço para a
privacidade. Em setembro de 2000, foi realizada a II
Caravana Nacional de Direitos Humanos da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, com visitas a
presídios do Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e
Paraná. Encontraram, em maioria esmagadora, presos pobres,
jovens e semi-alfabetizados. Há carência de funcionários no
sistema, presos comendo com as mãos, atiram em presos
desarmados e pelas costas. Um deles, J.M.E., do Rio de
Janeiro, 31 anos, afirmou: “Já me tiraram a comida e o sol,
já levei chute e bofetada. Abriram as pernas da minha
mulher, arrancaram a roupa da minha mãe. Não tem mais o que
tirar de mim, só ódio”.
Um pequeno
relato, por Estado, sobre o que encontraram:
Ceará - Mensagens
gravadas com o auxílio de cascas de banana completavam a
sujeira. Havia presos que dormiam no chão, sobre a laje. A
permanência, em alguns presídios escuros e úmidos, provocava
crises nervosas, acesso de choro e doenças as mais variadas,
destacadamente a doenças de pele e as bronco-pulmonares.
Havia presídios que não recebiam alimentação do Estado.
Sobreviviam às custas de parcos mantimentos que lhes eram
entregues por familiares, quando nas visitas. Assim,
famílias miseráveis que já se deslocavam com dificuldade ao
Distrito, descobriam-se na obrigação de evitar que seus
filhos morressem de fome. Havia espancamentos e maus tratos
por policiais, crime de tortura, celas de isolamento. Em uma
cela de isolamento, um buraco, no chão, repleto de baratas.
Pernambuco - Em
presídio na Ilha de Itamaracá – Manicômio Judiciário do
Estado - a capacidade máxima é para 370 presos. Havia, na
época da visita, 1032. No lugar onde a comida era servida
aos presos, encontravam-se vazamentos no esgoto. A maioria
dos presos estava com tuberculose. O presídio “Aníbal Bruno”
de Recife, para 524 presos, contava com 2988. Na cela de
segurança, convívio com ratazanas e os presos defecavam em
um saco plástico, por não haver instalações sanitárias.
Muitos presos doentes: HIV, tuberculose, osteomielite etc.
Rio de Janeiro -
Presídio Ari Franco: existia uma sala grande, sem janelas,
com um buraco usado como sanitário, onde seria comum a
prática de espancamentos. Presídio Evaristo de Moraes: as
celas abrigavam uma média de 52 presos. Um deles morrera com
sintomas de leptospirose. Outro dormia sobre a água que
inundava o banheiro. Havia marcas de ferimentos produzidos
por algum tipo de fio.
São Paulo -
DEPATRI: não havia remédios disponíveis para os
soropositivos. Não tinham acesso a banho de sol. Emprego de
choques elétricos sobre os testículos das vítimas. Taubaté:
presos sem banho de sol, levando-os ao enfraquecimento.
Penitenciária Estadual de São Paulo – Presídio de mulheres :
Uma detenta fora punida, sendo encaminhada ao isolamento,
por solicitar socorro a uma companheira que estava com
sangramento no ouvido. Uma outra, provavelmente portadora de
hanseníase, não recebia os cuidados médicos devidos.
Penitenciária Feminina do Butantã: espancamento e violência
sexual seriam corriqueiros.
Paraná - Presídio
Central de Piraquara: um caso de abuso sexual cometido por
funcionário contra uma mulher de preso. Quando de rebelião,
um agente fora seriamente ferido e teve ruptura de medula.
De acordo com
estudiosos, a desumanização nas prisões é uma das causas do
agravamento dos problemas mentais na população carcerária.
Segregados, depositados, odiados pela sociedade em geral,
privados das condições psico-físico-morais-espirituais
necessárias à vida, são deliberadamente destruídos e,
conseqüentemente, destroem-se uns aos outros.
Foucault, em seu
livro “Vigiar e Punir” (Editora Vozes - 1988) questiona:
“Para que serve o fracasso da prisão; qual é a utilidade
desses diversos fenômenos que a crítica continuamente
denuncia? Serve para a delinqüência, indução em
reincidência, transformação do infrator ocasional em
delinqüente habitual, organização de um meio fechado de
delinqüência”.
Afirma Maria
Emília Guerra Ferreira que: “As prisões, tal como são
concebidas, falam, numa linguagem simbólica, de enjaular, de
conter à força, de segurar contra a vontade, de limitar
acesso à livre movimentação.” De acordo com a mesma autora,
como o sistema carcerário degrada a saúde física e psíquica
do detento:
a) é expropriado
de seus pertences, que carregam um significado simbólico
afetivo, extensivo do seu próprio ser;
b) sofre
indignidades físicas, tem que se despir diante de outras
pessoas que lhe são desconhecidas. É um sistema invasivo;
c) exposição
contaminadora, falta de espaço ligado à mais restrita
individualidade, como, por exemplo: banheiros sem porta no
mesmo compartimento onde estão vários presos;
d) violação das
comunicações;
e) castigos não
previstos por lei, mas por normas de cada presídio, às vezes
com manifestações sádicas ou neuróticas de quem os aplica.
IV – Quem são
os nossos encarcerados
Jovens. A maioria
tem menos de 30 anos. Isso se deve não só ao maior número de
jovens na sociedade, mas às dificuldades que ele enfrenta
para entrar no mercado de trabalho. Há, ainda, milhares de
dependentes de droga que, desde a adolescência, entram para
o mundo do crime para sustentar o vício. O preso não tem
formação educacional e profissional e é abandonado, muitas
vezes, pela família.
Maria Emília
Guerra Ferreira, no livro “ A Produção da Esperança – Casa
de Detenção de São Paulo, Carandiru” apresenta dados comuns
a todas as cadeias: o histórico familiar aponta, para a
grande maioria dos detidos, a total ou parcial ausência da
figura masculina. Quer por abandono do lar, quer por ter
sido uma relação causal, quer ainda por problemas ligados à
embriaguez, drogas, jogo, ou também por ausências que se
devem à necessidade de trabalhar.
A ausência e o
abandono por parte da figura paterna e a fragilidade e
distância, por sobrecarga de filhos e trabalhos, da figura
materna, além dos núcleos de carência na personalidade dos
presos, levaram-nos a tomar contato desde cedo com a
“liberdade” e a “lei” da rua e dos bandos. Em geral eles são
provenientes de lares onde a ausência dos pais e dos adultos
se faz necessária por questões de sobrevivência. Nessa
circunstância, eles ficaram entregues aos cuidados de um
irmão ou irmã mais velha, criança como eles, presas fáceis
de bandos e organizações marginais que aliciaram, “cuidaram”
e “prepararam” para a vida. Os vínculos mais fortes dos
presos são a mãe e os filhos. Mesmo que, quando em
liberdade, eles não tenham dado, aos filhos, muita presença,
muita assistência, quando presos, o sentimento paternal
aflora e os filhos passam a fazer parte do seu mundo de
referências e preocupações. As esposas e companheiras
aparecem como depositárias de amor, mas também porque elas
respondem a uma necessidade física, afetiva e sexual. Muitos
presos, sem ter o que fazer, trocam idéias sobre as maneiras
mais eficientes de burlar a lei. O ambiente de violência
provoca comportamentos agressivos e condutas mentirosas. A
convivência entre presos primários e reincidentes, com
certos funcionários e policiais corruptos e arbitrários,
enfim, tudo na prisão contribui pa-ra piorar, em vez de
melhorar, a condição moral e humana das mulheres e homens
pre-sos. Essas constatações, segundo o Texto Base da
Campanha da Fraternidade de 1997, levam a considerar as
prisões verdadeiras escolas e mesmo universidades do crime.
Em questionário
aplicado na Cadeia Pública de Jundiaí, sendo respondido por
111 detentos, encontramos:
O que leva uma
pessoa a cometer atos contra a lei:
42% - desemprego,
necessidades materiais, baixos salários;
16% - uso de
drogas;
12% - falta de
orientação e apoio e
30% - outros (
desajustes emocionais, problemas familiares, malandragem e
má índole, más companhias, falta de formação, discriminação,
desespero).
O que existe
de pior numa cadeia:
24% -
superlotação;
20% - problemas
de relacionamento;
16% - falta de
assistência judiciária;
16% - ficar
fechado;
14% - falta de
atividades;
08% - péssimas
acomodações e
02% - outros.
As maiores
dificuldades quando a pessoa sai da cadeia:
55% - emprego;
43% -
discriminação(incluindo-se a família);
02% - outros.
No livro, “A
Produção da Esperança” de Maria Emília Guerra Ferreira, págs.
144 e 145, há a história de Tomás, um preso que cresceu na
Praça da Sé, segundo ele correndo da polícia, do povo, da
chuva, da fome, da dor:
“Vou contar pra
senhora uma história de verdade – eu me criei na praça da
Sé. Saí de casa porque o homem que minha mãe arrumou depois
que meu pai abandonou ela, quando eu era pequeno, começou a
beber muito, brigava com nós todos, batia na gente e
maltratava demais. Minha mãe não agüentava nós e ele. Saí de
casa e vim pra Sé. É a lei da selva. Pra sobreviver tem que
ser artista. Comecei a fazer como os outros meninos, “acharcava”,
cheirava, fumava etc. Um dia achei um cachorrinho bem
novinho abandonado. Comecei a cuidar dele. Ele comia na
minha mão, conhecia quem eu era. Ele só andava comigo,
dormia comigo. (...) Muitas vezes quando eu tinha muito
medo, me agarrava com ele, quando chovia muito ou fazia
muito frio, dormia abraçado com ele. Uma madrugada, a gente
estava dormindo e chegou a polícia. Veio envenenada, batendo
em todo mundo. Queriam saber de um roubo. Assaltaram um cara
lá, a polícia veio e a turma saiu, escapou e deram um
pontapé na polícia. Eles queriam se vingar em cima de nós.
Foi uma pancadaria. Um deles quando viu o meu cachorro
agarrou ele e furou todo ele. Eu fiquei cego de ódio, parti
pra cima deles e quanto mais eu batia mais apanhava. Na
Febem falaram pra mim da vida humana. Que vida humana? A
deles ou a minha? Pra mim o meu cachorro era mais importante
que tudo. Por que eles fizeram aquela covardia? O que o meu
cachorro fez pra eles? Nada. (...) Pra senhora ver, esta foi
a minha escola de vida. Pra mim meu cachorro é que valia.
Aquele policial, aquele homem que ficou com minha mãe, meu
pai que me abandonou quando eu era bem pequeno, os homens
que vivem querendo pegar a gente e tanta coisa ruim que a
senhora nem pode imaginar porque a senhora nasceu numa casa,
teve pai e mãe e tudo que precisava. Nunca ficou jogada no
mundão sozinha tendo que se virar”.
Ser abandonado,
segundo a autora, é sentido como ser negado. Ele se
identificou com o cachorro abandonado e, cuidando dele,
cuidou de si mesmo, para não se desestruturar. No cachorro
projetava seus medos e o seu imaginário, que o transformavam
em “mãe”. A revolta de Tomás é o desejo do direito a viver,
a se desenvolver, a amar. Outra situação grave, citada por
Maria Emília, é a dos indultos por doenças terminais que,
apesar de ser um direito legal, mesmo nos casos em que todos
os exames estejam completos, emperram no Judiciário. A
pessoa acaba morrendo na cadeia.
V – Causas das
rebeliões
As causas mais
comuns das rebeliões são:
-
superlotação( quanto mais superlotado o xadrez, mais brigas,
porque não existe o menor espaço para a privacidade);
-
transferência de presos já condenados para o sistema
penitenciário;
-
morosidade da Justiça, falta de assistência judiciária,
falta de informações sobre andamento de processos, pedidos
etc.;
- presos
com direito a benefícios, sem assistência;
- presos
com penas vencidas, permanecendo presos;
- falta de
assistência médica;
- espancamentos e tortura.
Em todas essas
questões, os presos têm seus direitos assegurados por lei.
Em casos de
rebelião, negociar ou não? A coordenação nacional da
Pastoral Carcerária, em documento sobre o assunto, destaca o
valor fundamental: a VIDA. Seja ela do refém, do agente
penitenciário, do preso, do soldado. Sendo possível garantir
e preservar a VIDA de quem quer que seja, impõe-se o dever
de garanti-la e preservá-la e isso implica no dever de
buscar a negociação e a via dialógica. A negociação é
testemunha da seriedade das autoridades ao garantir a VIDA
de todos.
VI - Como
humanizar as prisões
De acordo com as
orientações para a Campanha da Fraternidade de 1997: “
Cristo Liberta de Todas as Prisões”, entre os caminhos para
humanizar as prisões encontramos:
- só punir
como crime condutas que lesem de forma grave a sociedade;
transformar ilícitos penais em ilícitos civis, cujas penas
sejam pagamento de multas, sanções, reparações, prestação de
serviços etc.;
- criar os
Conselhos de Comunidade onde Estado e sociedade partilhem a
responsabilidade pela questão penitenciária agilizando o
atendimento das necessidades básicas de presos e presas;
-
incentivar a participação de entidades no Patronato
particular favorecendo a assistência aos presos e
acompanhamento dos egressos;
-
capacitar, permanentemente, funcionários das prisões e da
Polícia – civil e militar – para uma atuação educativa,
humana e estritamente dentro da lei;
-
remunerar, condignamente, esses funcionários;
- eliminar
a extrema morosidade e burocratização da Justiça;
- prestar
assistência jurídica, médica e religiosa aos presos e
presas.
São importantes
ainda:
-
programas municipais de incentivos às empresas que
empregarem egressos do sistema penitenciário;
- estímulo
à oferta de serviço aos detentos em regime fechado;
- criação
de oficinas de trabalho a fim de viabilizar a
profissionalização e trabalho aos presos;
- estágios
dentro dos presídios, notadamente junto aos cursos de
Direito ( para assistência judiciária aos internos),
Medicina e Psicologia;
-
estabelecer um rol de serviços importantes para a comunidade
que possam ser aproveitados nas execuções das penas
alternativas e garantir que na execução das mesmos haja o
respeito aos princípios de educação e ressocialização do
preso.
O Papa João Paulo
II, em sua mensagem para o Jubileu nos Cárceres, conclui que
“ para tornar mais humana a vida na prisão, é muito
importante prever iniciativas concretas que permitam aos
reclusos realizar, na medida do possível, atividades
laborativas capazes de retirá-los do envilecimento do ócio”.
Recorda, ainda, a necessidade de acompanhamento psicológicos
para os problemáticos da personalidade. “O cárcere não deve
ser um lugar de deseducação, de ócio e talvez de vício, mas
de redenção”.
VII –
Perspectiva cristã
“ Vinde, benditos
de meu Pai, recebei em herança o Reino que foi preparado
para vós desde a fundação do mundo. Porque eu estava nu, e
me vestistes; doente e me visitastes; na prisão, e viestes a
mim” ( Mt 25, 34-36).
Em visita ao
cárcere de Paggioreale em Nápoles, em 11/11/1990, o Papa
João Paulo II coloca: “Um homem que sofre de solidão é
ameaçado por várias preocupações da alma, busca remover a
morte de junto de si, e sofre uma pavorosa perda de
esperança. É este o homem que somos chamados a evangelizar
hoje.(...) Jesus não coloca em ressalto, nem a culpa nem a
condenação, mas a total possibilidade de renascer a uma vida
nova, no perdão e no amor. O Evangelho é verdadeiramente uma
Palavra que consola, ainda que exigente; é um fermento que
renova, uma chama que devolve a vida ao homem”.
A defesa de
Jesus, na cruz, veio de um condenado como Ele. O
marginalizado se solidarizou com seu companheiro de suplício
e acreditou que Ele teria também compaixão. E Jesus não fez
discursos moralistas nem recordou que o solicitante não
possuía méritos para tanto. Garantiu ao sentenciado: “ Hoje
mesmo estarás comigo no paraíso”.
O Papa João Paulo
II, em sua mensagem para o Jubileu nos Cárceres, diz que
Deus quer salvar todos os seus filhos, especialmente aqueles
que, tendo-se afastado dEle estão à procura do caminho de
volta. “O Bom Pastor segue continuamente o rasto das ovelhas
perdidas e, quando as encontra, toma-as sobre os ombros e as
reconduz ao redil. Cristo procura encontrar-se em cada ser
humano, em qualquer situação que se encontre. O objetivo do
encontro de Jesus com o homem é a salvação deste. Uma
salvação, aliás, que é proposta, não imposta. Cristo espera
do homem uma confiante aceitação, que abra a sua mente a
decisões generosas, capazes de remediar o mal cometido e
promover o bem”. Outro trecho também vale ser salientado: “O
Jubileu lembra-nos de que o tempo é de Deus. E não escapa a
este senhorio de Deus o tempo de detenção. Os poderes
públicos que, em cumprimento de uma disposição legal, privam
da liberdade pessoal um ser humano, pondo como que entre
parênteses um período mais ou menos longo de sua existência,
devem saber que não são senhores do tempo do recluso. Do
mesmo modo, quem se encontra detido não deve viver como se o
tempo da prisão lhe fosse subtraído irremediavelmente:
também o tempo transcorrido no cárcere é tempo de Deus e
como tal deve ser vivido; é tempo que há de ser oferecido a
Deus como ocasião da verdade, de humildade, de expiação e
também de fé.(...) Cada um é chamado a sincronizar o tempo
do próprio coração, único e irrepetível, com o tempo do
coração misericordioso de Deus, sempre pronto a acompanhar,
ao ritmo de seu passo, até à salvação. Embora, às vezes, a
condição carcerária corra o risco de despersonalizar o
indivíduo, privando-o de muitas possibilidades de se
exprimir publicamente, o recluso deve lembrar que, diante de
Deus, não é assim: o Jubileu é o tempo da pessoa, em que
cada um é ele mesmo diante de Deus, à imagem e semelhança
d’Ele. E cada um é chamado a acelerar seu passo rumo à
salvação e a progredir na descoberta gradual da verdade
sobre si mesmo”.
Critérios que
podem nos orientar, na realidade dos cárceres, de acordo com
o Texto-Base da Campanha da Fraternidade – 97( pág. 79):
- a
sacralidade da vida humana em todas as situações e em todos
os aspectos, incluindo aí os direitos de vítimas e
agressores;
- a
necessidade de sermos, como cristãos, sinais de libertação e
reconciliação;
- a
relação entre os valores que uma sociedade cultiva e a
instalação de maior ou menor grau de violência;
- a
gratuidade como forma privilegiada de derrotar o mal;
- a
imparcialidade da justiça e a garantia de todo o cidadão,
como condição para impedir a desmoralização dos caminhos
legais;
- a
compaixão diante de quem sofre, seja por conseqüência de
seus próprios atos, seja por delitos de outros;
- a
necessária ação dos cristãos no sentido de prevenir o mal,
trabalhando na erradicação das causas, em colaboração com
todas as pessoas de boa vontade.
Quando Deus olha,
Deus cuida. Diz Santa Teresinha: “ O olhar de Jesus não se
dirige às nossas obras, mas vai mais no fundo de nós mesmos.
Ele só vê o nosso coração. (...) Todo o olhar de Deus para
nós é um olhar de amor. E o olhar de Jesus não é só para os
justos e consagrados, mas para todos, incluindo os grandes
pecadores”.
O cristão que vai
visitar a cadeia, deve olhar a realidade para cuidar dela; o
cristão que vai visitar as cadeias precisa ter o cheiro de
Deus, o cheiro do Evangelho em sua vida, para interagir com
o cheiro do preso, o cheiro do cárcere.
VIII – O que
faz a Pastoral Carcerária
A assistência
religiosa faz parte dos direitos dos presos, assegurada pela
Lei de Execução Penal:
Art. 41 –
Constituem direitos do preso:
...VII –
assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social
e religiosa.
A Pastoral
Carcerária é a presença da Igreja de Cristo no mundo dos
cárceres. Ela vai às cadeias visitar presos e presas com os
mesmos sentimentos e valores que motivaram o próprio Jesus
em sua prática junto ao seu povo, ao mesmo tempo que já O
encontra lá, na pessoa de cada irmão encarcerado.
A Pastoral
testemunha a gratuidade e fidelidade do amor de Jesus para
com o seu povo, especialmente junto aos marginalizados e
excluídos de sua época. Por isso, a Pastoral Carcerária vai
ao encontro de todos e tenta ajudá-los sem distinção,
perguntando-se: O que Jesus faria com esses presos, nesta
prisão? O que Ele lhes diria? Como Ele os trataria? E o que
Ele falaria às autoridades sobre a situação em que esses
presos se encontram? Os parâmetros mínimos para o trabalho,
de acordo com a coordenação nacional da Pastoral Carcerária,
ligada à CNBB, são:
1) atender a
todos os presos, não escolhendo os presos com quem vai
trabalhar;
2) não cobrar
práticas religiosas dos presos como “pagamento” dos
trabalhos da Pastoral Carcerária;
3) ter, em
sua visão e prática, uma abertura ecumênica;
4) incentivar
e participar na criação/instituição do Conselho da
Comunidade(LEP, artigos 4,80-81) onde ele ainda não existe.
Onde o conselho da Comunidade já existe, a Pastoral
Carcerária deve procurar ter representação nele, em
colaboração com outras entidades igualmente qualificadas na
questão prisional;
5) manter
relação de trabalho e contato permanente com o Judiciário e
o Ministério Público locais, visando incentivar o
cumprimento da LEP;
6) ter
atitude profética diante das violações dos Direitos dos
presos, especialmente na questão de tortura e/ou maus
tratos.
Como trabalha a
Pastoral Carcerária na Diocese de Jundiaí – SP
Tentando ser
presença de Cristo e de sua Igreja no mundo dos cárceres,
desenvolve todos os trabalhos que esta presença vem a
exigir, bem como também incentiva e interessa outros setores
da comunidade de fé e da sociedade civil para o
encaminhamento adequado da questão prisional.
A sua ação
fundamenta-se nos valores evangélicos da fraternidade,
defesa e promoção da vida de todos, misericórdia,
solidariedade, justiça e a construção do Reino.
Algumas situações
encontradas na cadeia:
- problemas
de assistência judiciária;
- problemas
de saúde;
- falta de
roupa ou agasalho;
- presos
sem nenhum contato com familiares;
- presos
doentes mentais;
- presos
menores de idade;
- presos
ameaçados;
- presos
desejos de aprender mais sobre a sua fé;
- presos
desejosos de alguma celebração de sua fé-esperança de vez em
quando;
- egressos
sem apoio e sem emprego.
Atividades :
- visita
aos domingos, pela manhã, com anúncio do Evangelho de cela
em cela;
- entrega
de material de doação para confecção de peças artesanais. Em
Jundiaí, é aplicada a transação penal com aplicação imediata
de pena restritiva de direitos consistente na prestação de
serviços à comunidade, mediante a entrega de matéria-prima
para artesanato para os detentos;
-
fornecimento de declaração das peças confeccionadas para
remição de pena. Cada três dias trabalhados abate um;
- entrega
de remédios, a partir de receita médica, para os detentos
que não possuem família;
- entrega
de correspondência no Correio;
-
correspondência, pela Pastoral, com presos que são
transferidos para outras cadeias;
- entrega
de produtos de higiene pessoal;
-
celebrações mensais organizada pela Renovação Carismática
Católica;
- contato
com familiares;
-
solicitação a outras Pastorais como da Saúde, Moradia, da
Mulher, do Menor e a Movimentos como Vicentinos;
-
encaminhamento de egressos e/ou familiares para suas
paróquias;
- contato
permanente com Delegado Diretor da Cadeia, Delegado
Seccional, Juiz Corregedor e Promotora do presídio;
-
distribuição de cobertores doados pelo Fundo Social de
Solidariedade da Prefeitura Municipal.
Maiores
informações com Eurides Farinelli - Coordenador Diocesano:
(11) 9907-7703/ (11) 4607-7708.
IX – “Entre a
vida e a morte, a vida é mais forte”
(Frase de Giselda
Caltelvechi – tema de uma missão da comunidade dos
sofredores de rua).
“ Na Esperança é
que fomos salvos”, diz São Paulo aos Romanos 8,24.
E no livro “A
Maior Esperança” (Vozes, 1970) de Comblin, encontramos:
“ O papel da
Esperança é abrir uma espera situada além de todas as formas
de espera vividas conscientemente pelos homens. (...) A
esperança não é espontânea no homem. Espontâneos são os
desejos, os sonhos, as projeções, mas não a esperança. Esta
há de ser cultivada. É trabalho perseverante e sistemático.
(...) Educa-se a esperança.”
Na esperança,
detentos constróem barcos. Penduram-nos nas celas. Olham
distante. Desejam o horizonte.
Por certo buscam
os versos de Adélia Prado no poema “Janela”:
“Janela, palavra
linda.
Janela é o bater
das asas da borboleta amarela.
Abre pra fora as
duas folhas de madeira à-toa pintada,
janela jeca, de
azul (...)
Janela sobre o
mundo aberta...
Ó janela com
tramela (...)
Clarabóia na
minha alma,
olho no meu
coração.”
Canta Zé Vicente:
UTOPIA
Quando o dia da
paz renascer,
quando o sol da
esperança brilhar,
eu vou cantar...
Quando as cercas
caírem no chão...
eu vou cantar.
Quando os muros
que cercam os jardins
destruídos ,
então os jasmins
vão perfumar.
Vai ser tão
bonito
se ouvir a canção
cantada de novo.
No olhar do homem
a certeza do
irmão.
Concluo com as
palavras de Kiko Argüelo, iniciador das Comunidades
Néo-Catecumenais: “Amar significa morrer, e nossa tragédia
consiste justamente no fato de não querermos morrer. Amar o
outro quando ele é diferente daquilo que eu gostaria,
significa sempre um salto no escuro, significa superar a
morte”.
X –
Bibliografia