Entidades brasileiras denunciam crise no sistema prisional do Ceará à ONU

OAB e mais 27 organizações reuniram violações de direitos humanos realizadas em prisões do Ceará; expectativa é que a ONU cobre o Estado brasileiro

 Conforme a Ponte tem denunciado nos últimos meses, o sistema prisional do estado do Ceará vem violando uma série de direitos humanos. Superlotação, maus tratos, torturas estão entre as violações denunciadas desde janeiro de 2019.

No Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro de 2019, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e mais 27 movimentos e organizações da sociedade civil regionais e nacionais enviaram à ONU (Organização das Nações Unidas) uma denúncia contra os presídios do Ceará (confira a denúncia na íntegra aqui).

No relatório, os movimentos e organizações sistematizaram tudo o que foi produzido desde o início da crise do sistema penitenciário do Estado, em janeiro de 2019. O principal motivo para a denúncia internacional foi a falta de investigações e resultados das denúncias feitas por órgãos como o Mecanismo de Prevenção à Tortura e do Conselho Nacional de Direitos Humanos. No relatório consiste em informações colhidas nas visitas realizadas, relatórios e ações judiciais que foram protocoladas pela Defensoria Pública e por um grupo de advogados, e notícias de jornais.

Em entrevista à Ponte, Ana Virginia Porto de Freitas, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-CE explica o que motivou a elaboração do relatório. “As denúncias não cessam, vão sendo cada vez mais cotidianas, pois não houve uma investigação decente de janeiro para cá, não há punição e elas foram sendo reelaboradas e sofisticadas nos últimos meses. Diante desse cenário, foi perceptível que as visitas não trouxeram uma mudança real, nem na execução da política nem no controle externo da Justiça. Por isso resolvemos como uma última alternativa apresentar uma denúncia internacional”, conta.

Além disso, o relatório enviado ao Alto Comissionado da ONU traz um recorte de raça e gênero importante para ilustrar a situação do sistema prisional do Ceará, em que a maioria das pessoas privadas de liberdade são negras.

Entre as mulheres, segundo afirma a Comissão de Direitos Humanos da OAB do Ceará, 94% das mulheres presas são negras, que vivem uma realidade de superlotação, violência (como o uso do spray de pimenta nas genitálias) e humilhação destinada aos familiares que em sua maioria são mulheres e negras também.

“Decidimos qualificar a discussão no sentido de que a violência das pessoas presas no Ceará tem uma relação muito forte com a questão racial e de gênero. Enfatizar a questão racial e de gênero é um elemento importante nesse processo de naturalização da violência no sistema prisional”, argumenta Ana.

O relatório também chama a atenção para a nacionalização do modelo do sistema prisional do Ceará, que já foi replicado no Rio Grande do Norte, Amazonas, Roraima e Pará. “O que está sendo colocado pelo Estado é que o Ceará é um case de sucesso. Existe um processo de consolidação desse modelo que é um modelo que é profundamente violador de direitos, que foi iniciado no Rio Grande do Norte, que está colocado também para o Amazonas, para Roraima. É um processo que veio do Ceará e agora se expandiu para o Pará”, critica a presidente da Comissão de Direitos Humanos.

Participaram da elaboração do relatório organizações nacionais e regionais, organizações nas lutas de direitos humanos, no enfrentamento ao racismo, no enfrentamento à violência contra as mulheres, organizações que atuam na luta antimanicomial, como Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário da OAB Nacional, a Comissão de Direitos Humanos da OAB-CE, MNU (Movimento Negro Unificado), AMNB (Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, Pastoral Carcerária Nacional, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Núcleo Antimanicomial do Pará, NESM/BA (Núcleo de Estudos pela Superação dos Manicômios da Bahia), Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e do Prisional do Ceará, entre outros.

Além do Alto Comissionado da ONU, o Comitê de Eliminação de toda forma de Discriminação Racial, o Comitê de Eliminação de toda forma de Discriminação contra a Mulher e para o Comitê de Prevenção à Tortura também receberam o relatório enviado pelas organizações brasileiras.

Fonte: PONTE