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Preso é espancado por causa de um ovo em presídio de São Paulo

Ilustração: Vinícius de Araújo   Agente penitenciário ficou revoltado porque não recebeu um ovo frito

  • Preso de bom comportamento trabalhava na copa do presídio, foi acusado de ter mentido e torturado por 40 minutos

  • Corregedoria da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) investiga o caso

Texto: Fernanda Rosário e Juca Guimarães I Edição: Nadine Nascimento

Na penitenciária Wellington Rodrigo Segura, em Presidente Prudente, o detento Augusto Carmelita foi algemado e espancado por um agente da unidade por causa de um ovo frito. A agressão aconteceu no dia 27 de junho, mas a família só soube do episódio no mês de agosto, pois o preso ficou um período impedido de receber ou mandar mensagens. A corregedoria da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) investiga o caso.

Era por volta das 7h e o expediente de trabalho na copa da penitenciária em Presidente Prudente, a 558 km da capital, tinha começado há cerca de uma hora quando o agente penitenciário James chegou para tomar café da manhã junto com colegas.

Augusto Carmelita, que cumpre pena no regime semiaberto, era o único trabalhando e servia ovos fritos para os funcionários do local. Outros 15 presos trabalhavam na cozinha ao lado. O preso serviu os ovos, porém, a quantidade disponível não era suficiente para todos, e o agente James ficou sem, indo embora do local logo em seguida.

Uma outra funcionária da penitenciária, ao saber que os ovos haviam acabado, conseguiu mais alguns em outro local e combinou com Augusto para que a turma da cozinha pudesse fritá-los.

Quando James retornou à copa e viu que outros funcionários estavam comendo ovos, acusou Augusto de mentiroso e de esconder o alimento. Mandou, então, que ele virasse o rosto para a parede e que colocasse as mãos para trás. Então o algemou, levou o preso para um outro local longe das câmeras e deu vários golpes de cassetete nas costas dele, diante de todos.

Este é o relato de Rodrigo Olegário, 44 anos, irmão de Augusto, além de educador, ativista cultural e criador da ONG Brasilândia Cabeção, na zona Norte da Capital. “Meu irmão começou a gritar e a chorar. Ele foi espancado em uma posição de escravo, sem chance de defesa. Ele só não apanhou mais porque outra agente interveio. Depois foi ameaçado por colegas do agressor para não denunciar o caso”, complementa.

A família do Augusto denunciou o caso para a corregedoria da SAP, para o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), para o Tribunal de Justiça, para parlamentares e para a Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos).

Segundo a SAP, a direção da Penitenciária de Presidente Prudente abriu procedimento interno de apuração preliminar, sob acompanhamento da corregedoria da pasta, e um boletim de ocorrência foi registrado. Ainda segundo a SAP, o preso fez o exame de corpo de delito. “Foi providenciando atendimento ao reeducando e colhido termo de declaração dele, o que foi realizado na presença da advogada da Defensoria Pública”, diz a nota. A SAP diz também que o inquérito ainda não foi concluído.

Preso de confiança

Uma testemunha ouvida pela Alma Preta Jornalismo afirmou que Augusto não tinha histórico de desentendimento com agentes ou com outros detentos. Ele era um dos presos considerados de bom comportamento, por isso trabalhava na copa da penitenciária servindo os agentes de segunda a segunda das 6h às 21h, na parte da administração da unidade onde apenas os presos sem infrações no prontuário circulam. Ele só tinha direito à folga em períodos que estava na visita e almoçava depois que os funcionários se serviam. Fazia também toda a limpeza e faxina da copa.

Entre 22h e 5h30, ele vivia na chamada casinha, um barracão com 20 quartos ocupados por até três presos em cada um deles, que fica entre o pavilhão e a parte administrativa. Morar na casinha é uma condição reservada aos presos de bom comportamento do regime semiaberto. No pavilhão dos presos do semiaberto, as celas são para seis pessoas, porém, chega a ter 15 presos em cada uma.

Na copa, a comida preparada na cozinha ficava em uma estrutura que mantinha os alimentos aquecidos e o Augusto era responsável por servir os agentes, além de repor os alimentos. Ele era o único que tinha livre acesso entre a cozinha e a copa.

“Tratava todos muito bem com ‘senhor’ e ‘senhora’, sempre com as mãos para trás. Eram servidos funcionários de todos os setores e de unidades próximas também, chegava a ter entre 35 a 45 pessoas sendo servidas por ele”, relatou a testemunha. Ele varria e limpava a copa inteira para depois almoçar.

No dia do ocorrido, após a sessão de tortura, Augusto foi levado para uma outra sala que fica a cerca de dez metros de distância da copa. Essa sala é conhecida como o espaço de inclusão, onde os presos ficam de castigo ou aguardando a transferência de setor. O preso ficou algemado por cerca de 40 minutos.

“O errado sempre é o sentenciado que é julgado como negro, como mentiroso e como preso. A ameaça de voltar para o regime fechado é constante, isso depois de tanta luta para chegar no semiaberto”, disse a testemunha.

Caso não é isolado

Segundo testemunha, outros presos da unidade de Presidente Prudente passaram por conflitos com agentes penitenciários

Segundo testemunha, outros presos da unidade de Presidente Prudente passaram por conflitos com agentes penitenciários

Ao todo, a penitenciária de Presidente Prudente tem 696 vagas e uma lotação de 1.088. No anexo do regime semiaberto, sem contar a casinha, são 247 vagas, mas estão presas 402 pessoas.

Segundo a testemunha ouvida pela Alma Preta Jornalismo, outros presos da unidade de Presidente Prudente já passaram por situações de chacota dirigidas por funcionários da penitenciária. “Nas semanas seguintes ao espancamento, o próprio James e outros agentes ficavam fazendo piadinhas sobre ‘ovo’ perto do Augusto para constrangê-lo. Eram comentários como ‘Cuidado com o ovo que está dando buxixo’, ‘não tem ovo aí não’, ‘ovo tá dando pancada’. Com isso, o Augusto teve que arranjar outro trabalho”, disse a testemunha.

Ainda depois da agressão, que, segundo o relato, gerou repercussão entre os agentes da penitenciária e dos presos que presenciaram a cena, Augusto contou ao irmão que foi intimidado por outros dois agentes que fizeram ameaças caso o ocorrido fosse denunciado. Segundo a testemunha ouvida pela reportagem e o irmão de Augusto, toda essa situação culminou em uma profunda depressão no sentenciado, que ainda faz uso de medicamento para hipertensão.

De acordo com dados da Pastoral Carcerária Nacional, entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020, foram recebidas pela entidade denúncias de 54 casos de tortura de presos no estado de São Paulo. As espécies de violência envolveram 21 casos sobre agressão física, 10 casos sobre agressão verbal/psicológica, 29 casos envolvendo negligência na prestação de assistência material (falta ou fornecimento precário de água, alimento, itens de higiene, roupa, energia elétrica, etc), 27 casos sobre falta de assistência à saúde, oito casos sobre uso de tropas de intervenção, como o GIR (Grupo de Intervenção Rápida), 14 casos sobre aplicação de castigo coletivo, dentre outras espécies de violência. A pastoral ressalta ainda que o número das espécies de violência somadas supera o número total de casos em decorrência da possibilidade de uma única denúncia envolver uma ou mais espécies de violências.

Remição de condenação

O trabalho na copa era para a remição da condenação, já que cada dia de serviço conta para reduzir a pena. A verificação diária dos presos, conhecida como contagem, é feita às 5h30 e, então, os presos seguem para a jornada de trabalho. Para conseguir uma dessas vagas, o preso não pode ter infrações ou apontamentos no prontuário.

Faltas leves, como perder a hora da contagem, representa seis meses sem trabalho e sem benefícios. Uma falta média ou grave, como levar um utensílio da cozinha para o alojamento sem autorização, pode levar o preso de volta para o regime fechado.

Augusto Carmelita está cumprindo pena desde janeiro de 2016. A progressão de pena para o regime semiaberto começou em dezembro de 2020. Antes da penitenciária de Presidente Prudente, ele passou por duas unidades do complexo de Pinheiros, na capital de São Paulo. Depois foi para Belém II, Potim e foi incluído na unidade de Presidente Prudente para cumprimento de pena em regime semiaberto em 18 de março deste ano. Atualmente, Augusto foi transferido para outra penitenciária do interior do Estado.

Na unidade de Pinheiros IV, em 2019, ele conheceu a voluntária da Pastoral Carcerária, Léia Santos. Ela coordenava o projeto de remição de pena por leitura em que, para cada livro lido uma vez por mês, a pessoa pode remir 4 dias de pena. Ao longo de um ano é possível remir 48 dias de pena. Augusto participava de um grupo com mais 3 pessoas, que leram 'Capitães da Areia', 'O Cortiço', 'Vidas Secas' e começaram o livro 'A Metamorfose', interrompido com a pandemia.

Segundo a voluntária Léia, Augusto mostrou-se sempre uma pessoa prestativa na organização da biblioteca, antes mesmo do projeto de leitura iniciar, além de preocupado com a continuidade das atividades. “O que eu pude observar dele nesses períodos é que ele era uma pessoa bem articulada, que ele conversava bem tanto com os colegas dele que cumpriam pena, quanto com os agentes, os funcionários da unidade. Durante os encontros, ele era participativo. Eu gostava da maneira como ele opinava sobre o que a gente lia, sobre o que a gente discutia nos encontros”, complementa.

Augusto também se dedicou a escrever as resenhas dos livros e participou de todas as edições com o seu grupo do projeto de remissão de leitura, acumulando dias, inclusive, com a remição pelo trabalho que exercia na unidade de Pinheiros IV.

Denúncias e pedidos por providências

As assessorias das deputadas estaduais Erica Malunguinho (PSOL) e Leci Brandão (PCdoB) foram acionadas pelas famílias do preso Augusto Carmelita. Segundo a assessoria da deputada Erica Malunguinho, o irmão da vítima foi contatado para explicar o caso em detalhes. Segundo os assessores, a ideia é que seja protocolada uma denúncia formal na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais e também representação no Ministério Público.

A assessoria da deputada Leci Brandão informou que fizeram um ofício pedindo providências sobre o assunto à SAP e, ao mesmo tempo, ao Condepe. Também se colocaram à disposição diante das medidas apontadas pelo Condepe, que fez uma visita à penitenciária.

A Alma Preta Jornalismo questionou para a SAP se o agente penitenciário James foi afastado de suas funções, mas até o fechamento desta matéria não obteve retorno. Também, segundo a nota, “em relação ao servidor citado, não há registro de problemas disciplinares ou histórico de tratamento médico ou psicológico”.

Fonte: https://br.noticias.yahoo.com/

 

 

Comentários   

# Sandro de Castro 19-10-2021 11:27
Sobre o tal policial penal pouco há o que se falar, uma vez que praticou um crime de caráter hediondo, conforme previsão clara no ART. 2o da Lei n. 8072/1990.
Portanto caberá unicamente ao governo do Distrito Federal exonerar a bem do serviço público esse párea que estava trabalhando sem a mínima condição de exercer seu munus ou mesmo de nas ruas estar portanto uma arma chancelada pelo próprio estado.
Já isso deve servir de alerta aos gestores do Sistema Penitenciário Nacional da necessidade de um rigoroso acompanhamento psicólogico dos seus membros, afinal não é por que estão em contato direto com aqueles que foram segregados pela sociedade e estão espiando as suas penas que podem fazer o que querem sem estarem sujeitos a serem responsabilizados por seus atos.
E os colegas desse sujeito que a tudo assistiram serão co-reus junto dele, pela omissão?
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