Circula pelos grupos de mensagens a informação de que uma penitenciária do Rio Grande do Norte teria evitado um surto de Covid-19 entre os presos graças ao "tratamento precoce" com ivermectina. Algumas das mensagens incluem trecho de entrevista de um médico que trabalha na prisão.
A mensagem trata da Penitenciária Estadual Dr. Francisco Nogueira Fernandes, conhecida como Alcaçuz, que fica na cidade de Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte. Lionaldo Duarte é um médico do município de Nísia Floresta, que também é professor universitário e coordena o atendimento aos presos dessa unidade prisional. Ele realmente deu uma entrevista sobre o assunto.
A entrevista ocorreu em março do ano passado, para a rádio 98 FM. Lionaldo Duarte afirma que faz “uso (de) ivermectina nesse presídio há quatro anos”, para tratamento de escabiose e que, com o ínicio da pandemia, começou a aplicar o remédio para tratar pacientes com Covid-19.
A Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap), na época, informou que não autorizou o médico a usar ivermectina no tratamento de detentos de Alcaçuz. Segundo o secretário, Pedro Florêncio Filho, além de não ser autorizado, o tratamento não pode ser responsabilizado por não ter sido registrada nenhuma morte naquela penitenciária.
Para o secretário da Seap, o motivo dos bons resultados no combate à Covid-19 nas prisões potiguares é a adoção de medidas rígidas de segurança. Os presídios locais adotaram um controle de todos os presos que chegam ao sistema prisional, isolaram os detentos já encarcerados e criaram um local único para quarentena, separando diariamente os presos que apresentaram algum sintoma, que passam a ser acompanhados.
Todos os presídios do estado apresentam números baixos de infecção pelo coronavírus, com ou sem o uso de ivermectina. Para o secretário, essa seria a prova definitiva de que as medidas de segurança é que garantiram o bom resultado no combate à doença.
Nas unidades prisionais do Rio Grande do Norte, que tem uma população de 9.036 detentos, foram registrados 731 casos confirmados de Covid-19, com uma morte e 701 já recuperados, desde o início da pandemia. Já foram realizados 356.842 testes até agora.
Além da resposta da Secretaria de Administração Penitenciária, a entrevista do médico gerou outras reações, à época. A Rede Potiguar de Apoio à Pessoa Privada de Liberdade Egressa e Familiares do Sistema Penitenciário (Raesp-RN) afirmou, em pedido à Seap, que o diretor clínico teria realizado experimentação biomédica entre os detentos (experimentos em cobaias) e exigiu um posicionamento da Seap sobre o caso.
Já o o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio Grande do Norte – CEPCT/RN solicitou ao prefeito de Nísia Floresta, Daniel Gurgel (PSDB), a instauração de um procedimento administrativo para avaliar a conduta do médico.
Como já tratamos em outras checagens aqui no MonitoR7, o uso de ivermectina contra a Covid-19 não tem nenhuma comprovação científica de eficácia ou de segurança. A ivermectina é um remédio já bem conhecido. Trata-se de um antiparasitário, com amplo uso em animais no tratamento de dirofilariose e outros parasitas internos e externos. Em outra formulação, a ivermectina pode ser usada na pele para tratamento de parasitas externos, como piolhos, e doenças como rosácea.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já se manifestou em relação ao uso de ivermectina. A substância tem o uso autorizado no Brasil apenas para as indicações previstas na sua bula. Entre elas, as já citadas e também a escabiose (sarna).
A entrevista usada nas mensagens que viralizaram em grupos, portanto, é real. Mas a conclusão do médico entrevistado não tem base científica. A conclusão também é desmentida pelos dados dos outros presídios do Rio Grande do Norte. Em todos, mesmo os que não ofereceram ivermectina aos detentos, foram registrados baixos índices de contaminação e só houve uma morte no sistema prisional do estado.
As únicas medidas adotadas em todos os presídios do Rio Grande do Norte para o combate à Covid-19 foram relativas a controle, isolamento e restrição. Por isso, elas têm maior chance de explicar os baixos números de contaminados nessas unidades prisionais.
Fonte: https://monitor7.r7.com