RR ignorou alerta de doenças e deixou preso dormir em banheiro e com esgoto, diz Defensoria

Detento do presídio de Monte Cristo apresenta ferida no pé esquerdo - Defensoria Pública de Roraima O surto de uma doença de pele ainda desconhecida é apenas mais um capítulo dos problemas enfrentados na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista. Um documento enviado ontem pela Defensoria Pública de Roraima à Sejuc (Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania), e obtido pelo UOL, revela que o governo do estado recebeu diversos alertas de problemas de saúde na unidade, mas não só os teria ignorado, como superlotou ainda mais o presídio.

Além dos avisos contidos no documento, em maio do ano passado, por exemplo, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Roraima comunicou sobre uma epidemia de sarna no complexo que atingia "quase 100% dos presos."

Agora, 24 presos estão internados no HGR (Hospital Geral de Roraima) com uma doença ainda não descoberta. Ela faz com que os presos tenham a sensação de serem "comidos". Muitos outros apresentam problemas semelhantes e seguem no presídio.

A penitenciária agrícola é a mesma que, em janeiro de 2017, 31 presos foram mortos em confronto de facções. Apesar da repercussão mundial das mortes no presídio, a situação no local piorou de lá para cá.

Fachada da PAMC (Penitenciária Agrícola de Monte Cristo), em Boa Vista (RR) - Reprodução/Facebook/SESP-RR

Fachada da PAMC (Penitenciária Agrícola de Monte Cristo), em Boa Vista (RR)

Imagem: Reprodução/Facebook/SESP-RR

Superlotação piorou em julho

O ofício da Defensoria Pública relata a série de vistorias, que apontaram para a piora da superlotação em julho do ano passado, quando houve a transferência de 511 presos da Cadeia Pública Masculina de Boa Vista para o bloco B da penitenciária.

Segundo dados do MP-RR (Ministério Público de Roraima), 2.086 presos superlotam o local atualmente. "Celas onde cabem até três presos estão com mais de 18, que por falta de espaço, estão dormindo no banheiro", diz texto da defensoria.

Detentos apresentam problemas de saúde em Roraima - Defensoria Pública de Roraima

Detentos apresentam problemas de saúde em Roraima

Imagem: Defensoria Pública de Roraima

"É notório que esta unidade prisional está com superlotação", diz ofício, citando uma das vistorias feitas no segundo semestre do ano.

De acordo com a defensoria, a quantidade de presos "complica ainda mais a situação de falta de água nas alas, o que pode ocasionar problemas de saúde graves, e até mesmo mortes, tendo em vista que a unidade prisional comporta presos acometidos com as mais variadas doenças, dentre elas: tuberculose, hepatite, HIV, dentre outras".

Condições sanitárias precárias

No documento, há relatos sobre as condições precárias da unidade e dos presos. Um dos alertas é da força-tarefa de Intervenção Penitenciária, que apresentou relatório em 16 de agosto de 2019, denunciando irregularidades como a falta de atendimento de saúde.

"A insalubridade do local é de conhecimento notório, haja vista que não há limpeza apropriada nos pavilhões, bem como não existe material de higiene individual e coletivo necessários para atender a toda população carcerária. A ineficiência da prestação de atendimento médico, aliado à insalubridade do local, tem gerado doenças transmissíveis, bem como desconforto aos internos", diz trecho do documento.

No mesmo período, o Sindicato dos Agentes Penitenciários do Estado denunciou um surto de tuberculose e de sarna, além da falta de água constante e de tratamento e medicações para pacientes.

"Alguns reeducandos estão sem atendimento médico adequado, pois alguns estão com sarna, hipertensão, coceiras pelo corpo, feridas, HIV e tuberculose", diz a Defensoria.

Os presos não tinham uniforme e, segundo a defensoria, secam a roupa no corpo. Além disso, o atendimento médico ocorreria apenas duas vezes por semana —o que seria insuficiente para observar os problemas.

Cálculo da Defensoria aponta que, se metade dos cerca de 2.000 detentos da penitenciária pedir atendimento médico, o trabalho levaria quase um ano para ser realizado, "nesse ritmo de 12 [atendimentos] por dia e duas vezes por semana".

Esgoto denunciado três vezes

Outro problema foi denunciado em 2 de outubro pela força-tarefa: "um grande vazamento de esgoto, formando pequenos lagos, gerando mau cheiro e proliferação de mosquitos."

O problema se agravou, e três dias depois, a mesma força-tarefa denunciou que o esgoto colocava em risco a saúde dos internos. "As caixas de esgoto dos pavilhões estão completamente cheias, já apresentando diversos vazamentos e aglomeração de poças de esgoto, no entorno da unidade, podendo vir a retornar esgoto nas celas das alas desta unidade."

Mesmo após os alertas, a situação se agravou, e, no dia 1º de novembro, um novo alerta: "acúmulo de água de esgoto na área externa em volta das alas 4 e 6 devido ao retorno ocasionado pelo excesso de esgoto nas fossas sanitárias externas, verificamos que a água de esgoto está acumulando até próximo à muralha, causando alagamento do terreno e forte odor nas alas e galeria central do bloco".

Na última sexta-feira (17), a defensoria fez uma visita após receber a informação da doença misteriosa e relatou que "inúmeras pessoas com gravíssimas lesões dermatológicas e diversos relatos de negligência e falta de acompanhamento médico."

Situação pode ser mais grave

O defensor Público-Geral de Roraima, Stélio Dener, afirmou ao UOL que a visita de sexta-feira (17) foi feita em apenas três alas do presídio. "Fizemos uma visita tipo triagem. Nas três alas, identificamos vários presos com grandes sequelas em todas as partes do corpo. Dá para perceber que se trata de uma doença atípica", afirma.

Ontem, o MP-RR pediu à Justiça interdição parcial do presídio, para que novos presos não sejam enviados ao local. Os promotores classificaram a situação do presídio como desumana ao "permitir que praticamente três pessoas ocupem o mesmo metro quadrado durante 22 horas por dia, com apenas 2 horas de banho de sol."

Nas recomendações feitas à Sejuc, a defensoria pede a "imediata realização de rastreamento de doenças infectocontagiosas em todas as pessoas presas" e a "imediata realização de rastreamento de doenças infectocontagiosas em todas as pessoas presas na penitenciária."

A reportagem do UOL tentou contato com a Sejuc e com a Secretaria de Saúde de Roraima ontem, mas não teve retorno até o momento.

Fonte: UOL