Apesar de a denúncia ter sido apresentada ainda em novembro de 2021, o caso sofreu alguns contratempos após o Ministério Público alegar que a ação não poderia tramitar no tribunal de Lomas de Zamora, cidade vizinha à capital Buenos Aires, onde está localizado o aeroporto no qual Camargo foi sequestrado.
Segundo a procuradoria, as investigações deveriam ocorrer na corte de Buenos Aires, já que os processos relacionados à Operação Condor ficam todos a cargo da justiça portenha. Entretanto, após os requerentes contestarem a posição do MP, a Justiça determinou, em 30 de dezembro, que as investigações fiquem a cargo da jurisdição de Lomas de Zamora, o que permitirá finalmente que as investigações avancem. Como janeiro é mês de férias judiciais na Argentina, o processo deve seguir só em fevereiro.
Apesar disso, Krischke se diz muito satisfeito com o andamento do caso pois a denúncia foi aceita pela justiça argentina em menos de um mês após sua apresentação. “A Argentina pune seus torturadores, o [ex-ditador argentino Jorge Rafael] Videla morreu na cadeia”, relembra o presidente da MJDH.
Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke/ Reprodução
Operação Condor
A prisão de Camargo em Buenos Aires mostra que os aparatos da repressão das ditaduras do Brasil e Argentina já se ajudavam mutuamente em 1971, quatro anos antes da oficialização da Operação Condor, a infame rede de colaboração entre as agências de inteligência das ditaduras do cone sul que perseguia, prendia e exterminava opositores políticos.
“A operação foi batizada em novembro de 1975 em Santiago do Chile, mas a prática já existia e quem a criou foi o Brasil”, diz Krischke.
O ativista lembra que a Condor “foi implementada pelo embaixador Manoel Pio Corrêa Júnior, que era um agente da CIA, a partir da criação do Centro de Informações do Exterior (CIEX), na embaixada do Uruguai, em 1966”.
“Foi ele quem criou esse monstro e o criou dentro do Itamaraty. O CIEX chamava a prática de Plano de Busca no Exterior”, conta Krischke.
Investigações da Condor da Itália
A ação que corre na Argentina não é a primeira a apurar crimes da ditadura brasileira. Em novembro de 2021, a Justiça italiana encerrou por motivo de morte um processo penal que corria há seis anos em corte romana contra o coronel Átila Rotzer. A sentença de primeiro grau do caso seria dada em outubro, mas o coronel faleceu dois meses antes. Porém, mesmo diante do encerramento do caso, a corte italiana se manifestou dizendo que “não havia elementos para absolvê-lo no mérito”.
Se fosse vivo, Átila teria sido condenado à prisão perpétua pelo sequestro, morte e desaparecimento do cidadão ítalo-argentino Lorenzo Vinas, ocorrido em Uruguaiana em 1980, e teria se tornado o primeiro brasileiro condenado por um crime ligado à operação Condor.
Além de Átila também estavam sendo julgados os ex-agentes militares João Osvaldo Leivas Job, Carlos Alberto Ponzi e Marco Aurélio da Silva. Para a corte romana, “a avaliação conjunta dos depoimentos e documentos que foram depositados no julgamento levam a delinear de forma unívoca o papel do Brasil no trágico caso e ainda o envolvimento direto e consciente de Silva, Ponzi, Leivas Job e Átila nas respectivas funções''. Todos os envolvidos morreram antes de serem condenados.
O processo contra os brasileiros era um desmembramento do caso Condor que condenou em 9 de julho de 2021, em terceira e última instância, 14 torturadores (11 uruguaios e 3 chilenos) à prisão perpétua por crimes cometidos contra cidadãos italianos durante as ditaduras do cone sul.