Penitenciárias federais adotam limites para advogados e proíbem até mímica, Conjur

Por Marcelo Galli

penitenciariaUma nova norma do Ministério da Justiça cria limites para o atendimento de advogados aos presos custodiados nas penitenciárias federais. Segundo a Portaria 4/2016, que cria regras para os profissionais terem contato com seus clientes, o preso só pode ser atendido uma vez por semana e apenas por um advogado constituído.
Os advogados estão proibidos de transmitir informações que não têm relação direta com o “interesse jurídico processual do preso” de forma verbal, escrita ou por qualquer forma não audível, “inclusive mímica”. 
Regras valem para as quatro penitenciárias federais de segurança máxima do país.
Se houver descumprimento, a conversa com o cliente será interrompida imediatamente, conforme a portaria, assinada em junho pela diretora do Sistema Penitenciário Federal, Valquiria Souza Teixeira de Andrade.
O encontro com o cliente deve ser em dia e horário de expediente administrativo, unicamente em parlatório, às segundas, terças ou sextas-feiras, mediante prévio agendamento. A duração máxima da conversa será de uma hora. Se o advogado comprovar a urgência do caso, a direção da unidade penitenciária poderá autorizar mais de uma entrevista semanal, nos termos do Decreto 6.049/2007.
Já existem relatos de que a regra está sendo aplicada. De acordo com reportagem do portal UOL, advogados dos suspeitos de preparar atos terroristas para os Jogos Olímpicos — presos recentemente na operação hashtag — afirmaram que foram impedidos de ver seus clientes na sexta-feira (22/7). Os suspeitos estão detidos desde quinta-feira no Presídio Federal de Campo Grande. A base legal para o impedimento, segundo os advogados, foi a portaria do Ministério da Justiça.
A norma afirma ainda que o advogado precisa estar constituído por procuração, com indicação do processo, e comprovar no prazo de 30 dias ou na entrevista seguinte a sua efetiva atuação no processo indicado. “No caso de advogado ainda não constituído, a procuração, devidamente preenchida, deverá ser encaminhada ao preso pelo núcleo jurídico da respectiva penitenciária federal, para fins de análise e assinatura do indicado na procuração.”
Para a diretora do Sistema Penitenciário Federal, “a organização por meio de agendamento prévio de consultas e a limitação de requerimentos realizados apresentam-­se como medidas aptas a garantir um atendimento mais célere e eficiente”.
Questionada pela revista eletrônica Consultor Jurídico neste domingo (24/7), a assessoria de comunicação do ministério ainda não respondeu se a norma já está plenamente sendo aplicada nas quatro penitenciárias federais.
Retrocesso
O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, declarou que o impedimento ao trabalho da advocacia é uma afronta à democracia. “A OAB adotará todas as ações necessárias para assegurar o exercício profissional dos advogados e a imediata revisão da portaria do Ministério da Justiça, se ela estiver em vigor”.
Ao comentar o caso dos advogados impedidos de entrar no presídio federal, Lamachia afirma que é “urgente e necessário” combater o terrorismo de “forma dura”. “Mas o caminho de combater o crime cometendo outros crimes e violando prerrogativas da advocacia leva o país ao retrocesso”.
Para o criminalista Guilherme Batochio, conselheiro federal da Ordem, essas proibições são “um verdadeiro absurdo”. “Medida típica de sistemas autoritários e antidemocráticos. O arbítrio, ao que parece, vem fazendo prosélitos em toda parte”, disse à ConJur.
“Como saber, de antemão, o que consubstancia, ou não, ‘interesse jurídico do preso’? O contato seria monitorado?, questiona o advogado. Batochio afirma que já recebeu denúncias de monitoramento de conversas entre cliente e advogado no presídio de Catanduvas e em Mato Grosso do Sul, quando integrava a Comissão Nacional de Prerrogativas da OAB.
Repúdio
A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas criticou neste domingo, em nota, o que aconteceu com os advogados no presídio federal em Mato Grosso do Sul. A entidade repudia obstáculos que possam solapar direitos fundamentais, estabelecidos na Constituição e em lei federal, tanto de acusados como do livre exercício profissional da advocacia.
A Abracrim definiu a prática como constrangimento ilegal “sob escudo de ‘prática de terrorismo'”. Para a entidade, o Judiciário deve atuar para impedir que esse tipo de cerceamento volte a acontecer.
Segundo a nota, a Constituição assegura que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. E a Lei Federal 8906/94 assegura expressamente como direitos do advogado “exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional” e “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.”

* Texto atualizado às 18h08 do dia 24/7/2016 para acréscimo de informações.

Clique aqui para ler a portaria. 
Fonte Conjur