A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu, recentemente, que para a configuração do crime de associação para o tráfico de drogas, previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é irrelevante a apreensão de drogas na posse direta do agente. A decisão, lavrada no âmbito do HC 441712/SP, teve como relator o ministro Jorge Mussi.
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO CABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. NULIDADE DO FLAGRANTE. SUPERVENIÊNCIA DA PREVENTIVA. EVENTUAL IRREGULARIDADE SUPERADA. ENCARCERAMENTO FUNDADO NO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ACAUTELAMENTO DA ORDEM PÚBLICA. DELITOS PRATICADOS EM CONTEXTO DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, INCLUSIVE ADOLESCENTES, COM APREENSÃO DE EXPRESSIVA QUANTIDADE, VARIEDADE E NATUREZA DE DROGAS. CONSTRIÇÃO JUSTIFICADA E NECESSÁRIA. DESPROPORCIONALIDADE DA MEDIDA. VIA INADEQUADA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES NÃO PRISIONAIS. INADEQUAÇÃO E INSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE COAÇÃO ILEGAL. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus originário em substituição ao recurso ordinário cabível, entendimento adotado por esta Corte, ressalvados os casos de flagrante ilegalidade, quando a ordem poderá ser concedida de ofício, o que não se coaduna à hipótese dos autos. 2. A pretensão de reconhecer a nulidade do flagrante resta superada quando superveniente novo título a embasar a custódia cautelar, qual seja, o decreto preventivo. 3. Caso em que a segregação cautelar do acusado, malgrado sua condição subjetiva favorável, está justificada, por força dos arts. 312 e 315, ambos do Código de Processo Penal, na necessidade de acautelamento da ordem pública, diante da gravidade concreta dos crimes em análise (modus operandi), uma vez que o paciente associou-se a outros quatro comparsas, entre eles dois adolescentes, para a prática do tráfico de drogas na Praça do Ginásio da Paulicéia, ponto que, segundo consta dos autos, teria confessado informalmente ser o dono. 4. A expressiva quantidade, a variedade e a natureza deletéria das drogas apreendidas na posse e/ou residências dos acusados, bem como a razoável quantia em dinheiro e outros petrechos comumente utilizados no manuseio dos entorpecentes, também evidenciam a gravidade dos diversos crimes que se busca apurar e principalmente a periculosidade em concreto do investigado, predicados idôneos a rechaçar a alvitrada liberdade provisória. 5. A ausência de apreensão de drogas na posse direta do paciente não afasta a prática do delito ou sua flagrância, eis que demonstrada sua ligação com os corréus e adolescentes, além de sua relação com os demais alvos da busca e apreensão. 6. Não há como, em sede de habeas corpus, concluir que o réu será beneficiado com a fixação de regime mais brando ou com a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, mormente diante das circunstâncias adjacentes ao delito 7. Condições pessoais favoráveis, como a primariedade técnica, não têm o condão de revogar a prisão cautelar, se há nos autos outros elementos suficientes a demonstrar a pertinência da medida extrema. 8. Pelas mesmas razões, reputa-se indevida a aplicação das medidas cautelares alternativas, etiquetadas no art. 319 do Código de Processo Penal. 9. Habeas corpus não conhecido. (HC 441.712/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 12/03/2019)
Esposa do ex-policial Ronnie Lessa, acusado de executar Marielle Franco, Elaine Lessa enviou no dia 22 de janeiro foto da planilha escrita à mão pelo porteiro do condomínio Vivendas da Barra (RJ), que mostra que o ex-militar Élcio de Queiroz teria tido acesso ao local por permissão do “Seu Jair”, da casa 58 – de propriedade de Jair Bolsonaro
A nutricionista Elaine Lessa, esposa do ex-policial Ronnie Lessa, acusado de ter disparado os tiros contra a ex-vereadora Marielle Franco, enviou no dia 22 de janeiro a foto da planilha escrita à mão pelo porteiro do condomínio Vivendas da Barra (RJ), que mostra que o ex-militar Elcio Queiroz teria tido acesso ao local por permissão do “Seu Jair”, da casa 58 – de propriedade de Jair Bolsonaro. Dois dias depois, Lessa e Queiroz foram ouvidos na Delegacia de Homicídios sobre o assassinato, quando ainda estavam soltos.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (31), a planilha foi alvo da investigação somente em outubro, quando peritos acessaram dados do celular de Lessa e encontraram a foto enviada pela esposa.
O advogado Fernando Santana, que defende Elaine Lessa, afirmou que sua cliente nunca foi questionada sobre a mensagem mencionada pelas promotoras que investigam o caso. Também negou que ela tenha enviado a foto ao marido.
Vale ressaltar que, no dia 7 de outubro, o síndico do condomínio Vivendas da Barra entregou à Polícia Civil arquivos com gravações do interfone da portaria de janeiro a março de 2018. Nesta mesma data, o porteiro prestou depoimento e afirmou que Élcio foi autorizado a entrar por uma pessoa da casa 58 com a voz de Jair Bolsonaro, que se identificou como “Seu Jair”. Dois dias depois, o porteiro confirmou a versão em novo depoimento.
De acordo com revelações feita pelo Jornal Nacional, porteiro do condomínio afirmou à polícia que, horas antes do assassinato, em 14 de março de 2018, o Élcio de Queiroz entrou no local e disse que iria para a casa do então deputado Jair Bolsonaro. Os registros de presença da Câmara dos Deputados mostram que o então parlamentar estava em Brasília no dia, embora, naquele dia, tinha passagem marcada para o Rio (veja aqui).
O MP-RJ afirmou que o porteiro mentiu ao relatar a versão de Élcio de Queiroz.
Fonte: BRASIL247.COM
Verdades difíceis de engolir sobre o sistema carcerário e a execução da pena
De uma maneira geral, a sociedade brasileira tem visão equivocada sobre a fase de execução da pena, a tônica que rege os regimes de cumprimento e da própria progressão entre os regimes fechado, semiaberto e aberto.
Isso se deve, em muito, pela desinformação que as mídias capilarizam. As quais, em razão desta desinformação vender mais que a informação útil, acabam por veicular os pontos que polemizam as questões referentes aos regimes e sua progressão, bem como, o próprio processo de execução da pena.
É o que se percebe, p. ex., em notícia veiculada em 23/12/2018, sobre o caso Suzane Von Richthofen, ex vi:
Beneficiada com a ‘saidinha’ de fim de ano, condenada foi flagrada em uma festa de casamento em Taubaté, a 340 quilômetros da residência informada.
A forma como a notícia é veiculada acaba por estimular, em verdade, a desinformação, incutindo no senso comum da sociedade a ideia de que o regime semiaberto é um privilégio, quando ele se trata de um direito de toda pessoa que está sob o jugo do sistema carcerário cumprindo pena, desde que preenchidos os critérios estabelecidos na lei de execução penal. Parece clichê reafirmar, mas as pessoas que cumprem pena por crimes não perdem a qualidade de sujeito de direitos e também de obrigações, quiçá, sua qualidade de seres humanos, por mais abjetos e bestiais que possam ser os crimes que cometeram.
Sobre a polêmica questão do sistema carcerário e dos direitos humanos dos custodiados, o notável advogado criminalista Sobral PINTO, já no longínquo ano de 1935 se posicionou:
Um dos mais constantes cuidados da civilização cristã tem sido o estabelecimento, no seio dos povos que aceitam os seus postulados, d’um regime carcerário que dê aos detentos, independentemente de sua condição social e da sua categoria profissional, a noção exata de que não perderam, com a reclusão, as suas prerrogativas de criatura racional. Criminoso ou inocente, rico ou pobre, correligionário ou adversário político, o encarcerado precisa de receber, nas prisões mantidas pelos Estados que se dizem cristãos a impressão de que os poderes públicos continuam a divisar nele aquela característica constante e irremovível, que o crime poderá ter feito adormecer, mas não desaparecer totalmente: a sua espiritualidade, esta centelha do divino incrustada na ganga frágil do organismo humano. Só com a submissão a esta lei da racionalidade da nossa natureza poderá o Estado e nobilitar a sua árdua e penosa missão de punir e castigar.
O trecho citado foi retirado de um requerimento de Sobral Pinto como advogado de Harry Berger. Na petição, tendo em vista a quase ausência de saída para o advogado, ele invoca em favor de Berger a lei protetora dos animais – a qual por incrível que pareça, há época, foi o dispositivo legal mais eficaz para tutelar a integridade corporal do custodiado, diante da completa supressão de seus direitos humanos. Em outras palavras, se não há solução na lei dos homens, que se aplique a lei dos animais. Está foi, em essência, a grande cartada de Sobral Pinto, nesta brilhante peça jurídica.
Tais questões que, modestamente, chamamos de verdades difíceis de engolir, se justificam pois há no seio da sociedade correntes de pensamento que desacreditam e tratam com descrédito qualquer questão inerente aos direitos de quem cumpre pena no sistema carcerário brasileiro.
Muitos ainda acham que quem cumpre pena está num resort de luxo sob as expensas do Estado e para eles não há a necessidade de observância dos direitos ou de defesa destes direitos.
Nesse sentido, já no ano de 1.982, outro grande advogado criminalista, Waldir Troncoso Perez, quando indagado sobre o direito de defesa, vaticinou:
…está inscrito na Constituição Federal, entre os direitos do homem – e os direitos do homem não são os direitos do homem virtuoso – são direitos do homem enquanto suporte moral do direito e de todos os homens. Todos os homens tem direito de defesa. Esta abrangência é absoluta, é total e não tem nenhuma exceção, senão você nega a carta de direitos do homem, senão você nega a Constituição da República Federativa do Brasil, você nega aquilo que é imanente ao homem, que é o direito de defesa… Entrevista concedida ao Programa Jogo da Verdade (TV CULTURA – 1982). Link (acesso em 20.10.2019 – 5’30”)
Outra destas verdades difíceis de engolir, reside na própria finalidade da pena e da forma de seu cumprimento.
Ensina MIRABETE (1999, p. 250):
Tem-se definido a pena como uma sanção aflitiva posta pelo Estado, por meio da ação penal, ao autor de uma infração, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico.
A pergunta é: como a sociedade compreende a pena e sua finalidade?
Certamente, não é pelo seu viés jurídico. A pena é compreendida com a finalidade de intensificar o sofrimento daquele que cometeu o crime e de advertência para pessoas que venham a delinquir. Em suma, como retribuição da prática de um crime, o apenado tem que padecer, como forma de exemplo para a sociedade.
É de todo pertinente a provocação de CARNELUTTI (2009, pp. 101-102):
A condenação, olhando-a bem, não é mais que uma diagnose; não é também a diagnose um juízo? O médico, quando, ao final de suas investigações, estabelece a existência da enfermidade, pronuncia também ele uma sentença, e até uma condenação; também a ele ocorre o mesmo que ao juiz, absolver ou condenar, conforme contemple no paciente um são ou um enfermo…
A penitenciária é, verdadeiramente, um hospital, cheio de enfermos de espírito, em lugar de enfermos de corpo e, algumas vezes, também do corpo; mas, que hospital tão singular! No hospital, antes de mais nada, o médico, quando se dá conta de que a diagnose é equivocada, corrige-se e retifica a cura. Na penitenciária, pelo contrário, está proibido de atuar assim.
Sobre a progressão de regime, a incompreensão divaga na mente dos incautos. Mas aqui há que se reconhecer as mazelas do sistema de progressão.
A progressão de regime é corolário da individualização executiva da pena. A ideia é que a pena será cumprida de formas diferentes no transcorrer do seu tempo, desde que o apenado respeite requisitos legais, sendo um dos principais o bom comportamento, que será atestado por certidão emitida pelo estabelecimento prisional. Em outras palavras, a progressão é um estímulo ao bom comportamento.
Para Luís Carlos VALOIS (2019, p. 84), o problema é que
… há estabelecimentos penais em que a administração penitenciária não consegue entrar nem nas celas ou pavilhões e, quando entra, entra com medo, com receio, sendo os presos naqueles corredores e raios os verdadeiros administradores da prisão.
Assim, o que se atesta em certidão de bom comportamento é
…apenas uma declaração negativa de ocorrência, ou seja, informa que não houve nenhum problema registrado com aquele preso durante o período certificado. (VALOIS, 2019, p. 85).
Não há maiores elementos sobre o mérito do comportamento do apenado. O que acaba por influir no descontrole do Estado sobre a eficácia da progressão entre os regimes de cumprimento da pena.
De um modo geral, o sistema carcerário e as questões que o circundam estão longe de serem as ideais. Isso é perceptível pelo fato de que em 2015, o Supremo Tribunal Federal, no âmbito da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF nº 347), declarou o “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema prisional brasileiro.
Muita gente, indignada, tem levantado um argumento que aparenta ser correto, mas esconde a questão principal que cerca o debate no STF sobre prisão após condenação em segunda instância. Longe de atingir grande número de presos, o entendimento do trânsito em julgado só vai servir a um tipo de criminoso: o rico.
Seria mais inteligente e realista que se parasse de dizer que até 30% dos detentos serão libertados caso mude a jurisprudência do Supremo, podendo chegar a um assombroso total de 240 mil bandidos soltos. Não é verdade.
E o motivo é tão simples quanto terrível. Arredondando os números (conflitantes) sobre a população carcerária no Brasil, estamos falando de 800 mil presos no total. Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, 40% deles são presos provisórios.
Isso significa que 320 mil não foram sequer julgados – nem na primeira, muito menos na segunda instância. Estão apenas amontoados, alguns há uma década sem ver a cara de um juiz. É essa a maior barbárie do nosso sistema penal.
Vamos reforçar essa informação: os que podem se beneficiar de alguma mudança no STF não são esses presos provisórios. Pode esquecer esses desgraçados. E também os outros tantos que já tiveram a prisão definitiva decretada. Bem feito.
O que interessa é que, desde que o Supremo, três anos atrás, autorizou prender após segunda instância, ingressaram nas nossas cadeias 85 mil pessoas. Desse número, não há informação oficial que permita afirmar quantos já tiveram algum julgamento colegiado.
Para extremo efeito de raciocínio, digamos que expressivos 50% esteja nessa situação. Não é tudo isso, mas aí chegaríamos ao máximo dessa elucubração: 42 mil presos seriam soltos – ou 5% da população carcerária. Vale repetir: 5% voltariam a aguardar por julgamento em liberdade. O restante dos 800 mil vai continuar onde está: amontoado.
Essa elite do cárcere é evidentemente composta por gente que pode pagar advogado, recorrer, entrar com embargos, aquela parafernália jurídica toda na qual o cidadão comum nem esbarra. Em resumo, ricos. Os colarinhos brancos. É disso que se trata. Alguma surpresa?
Fonte: R7