WhatsApp Image 2021 12 08 at 13.52.38

Desenhamos fatos sobre violência policial no Brasil

Por Luiz Fernando Menezes

13 de setembro de 2019, 13h14

 Policiais civis e militares em serviço ou não mataram 6.220 pessoas em 2018, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados na última terça-feira (10). O número é o maior desde 2012, quando o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou a compilar essa informação, e representa um aumento de 19,6% na taxa de mortes causadas por policiais por 100 mil habitantes em comparação com 2017.

A letalidade policial também foi o único indicador de morte violenta a apresentar crescimento entre 2017 e 2018. Os números de homicídios e de latrocínio (mortes que ocorrem em situações de roubo), por exemplo, caíram.

Para ajudar a entender esse aumento das mortes causadas por policiais, Aos Fatos explica e desenha abaixo fatos sobre o tema:

Dados. As polícias brasileiras — militar e civil — mataram 6.220 pessoas em 2018, o maior número já registrado na série histórica do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, cuja edição mais recente foi divulgada na última terça-feira (10). Isso significa que, no ano passado, 17 civis morreram por dia em intervenções de policiais tanto em serviço quanto fora dele. Só no estado do Rio de Janeiro, que teve a maior número absoluto de registros, foram 1.534 pessoas assassinadas.

Em comparação com 2017, quando 5.179 pessoas foram mortas por policiais, houve um aumento de 19,6% na taxa deste tipo de assassinato por 100 mil habitantes em 2018.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública registra um aumento paulatino neste indicador de letalidade policial desde 2012. No entanto, atribui os baixos números iniciais da série histórica a deficiências nos registros sobre esse tipo de morte. Segundo o Anuário, a partir de 2016, quando houve 4.222 mortes provocadas por policiais, os dados se mostraram “mais confiáveis e evidenciam o enorme desafio posto ao Estado Brasileiro no controle do uso da força de seus agentes estatais”.

O número compilado no Anuário se aproxima dos dados do Monitor da Violência, do G1, e do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo), que contabilizaram 6.160 mortes causadas por policiais em 2018. Isso significa que, em 2018, policiais foram responsáveis por cerca de 11 mortes violentas intencionais a cada 100 assassinatos no Brasil.

Segundo o Anuário, a maior parte destas mortes ocorreu quando os policiais estavam em serviço: policiais militares mataram 3.446 pessoas, sendo 3.126 durante o trabalho; policiais civis mataram 163 pessoas, 119 em serviço. Vale ressaltar que esses números não representam todos os dados compilados, uma vez que alguns estados não enviam os dados separados, apenas o total.

A estimativa do Monitor da Violência é que 90% das mortes decorrentes por intervenções policiais ocorram durante o serviço policial.

Comparações. As mortes decorrentes de intervenções policiais foram a única categoria dentro das mortes violentas intencionais — que englobam também homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte — que subiu de 2017 para 2018.

Algumas pessoas chegam a traçar uma causalidade entre esses dados, sugerindo que a violência diminuiu porque a polícia matou mais. O deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), em seu Twitter, por exemplo, fez essa relação:

Mas o próprio Anuário descarta essa causalidade. Segundo o texto, assinado por quatro pesquisadores, não existe uma coincidência entre os estados com maior proporção de letalidade policial e as maiores reduções nas mortes violentas intencionais. Eles apontam que dentre os nove estados com as maiores proporções de mortes pela polícia, cinco (Pará, Goiás, Rio de Janeiro, Bahia e Paraná) não acompanharam a média nacional de redução nas mortes violentas intencionais.

Roraima e Tocantins, que registraram aumento das mortes violentas intencionais entre 2017 e 2018, também tiveram os maiores crescimentos nas mortes causadas por policiais: 183% e 99,4%, respectivamente.

O ex-secretário Nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM de SP José Vicente da Silva Filho corrobora com a posição dos pesquisadores do Anuário. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele disse que não há indícios de que a redução de homicídios esteja relacionada aos números de violência policial.

Quem a polícia mata? Quase a totalidade das pessoas mortas por policiais é homem (99,3%) e a maioria é negra (75,4%). As vítimas também são, em geral, jovens de 15 a 29 anos (54,8%) — a faixa etária que concentra mais vítimas (33,6%) é de 20 e 24 anos 33,6%.

Com relação à escolaridade, 81,5% das vítimas só chegaram até o Ensino Fundamental, 16,2% foram até Ensino Médio, e 2,3% ao Ensino Superior.

Investigações. Mas essas mortes causadas por policiais são investigadas? Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, não, porque, geralmente, a versão dos agentes é tomada como verdadeira. Poucos estados disponibilizaram para o Anuário as informações referentes às investigações. Os que enviaram citaram números baixíssimos, com no máximo três casos de policiais acusados de homicídios.

Conforme já explorado por Aos Fatos em checagens de declarações do presidente Jair Bolsonaro, não há informações disponíveis sobre punição policial no Brasil. Os levantamentos e reportagens sobre o assunto, no entanto, confirmam a conclusão do Fórum: são poucos os casos investigados.

Em 2012, o Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que analisou processos penais ocorridos entre 2001 e 2011 no RJ, disse que a tendência é que os casos sejam arquivados, prevalecendo a narrativa policial. Em 2005, por exemplo, 707 pessoas morreram no Rio de Janeiro em decorrência de intervenção policial, 355 inquéritos tinham sido instaurados, mas só 19 se tornaram processos. Desses 19, 16 foram arquivados a pedido do Ministério Público.

UOLem reportagem de 2017, com base em dados obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação), mostrou que em 2016, por exemplo, 252 policiais foram presos em São Paulo, mas apenas 25 deles foram acusados de homicídio. No mesmo ano, o Anuário de Segurança Pública compilou 857 pessoas foram mortas em intervenções policiais no estado.

O jornal Extra também realizou um levantamento para saber quantos PMs foram expulsos da corporação. De 2012 a 2018, 1.316 policiais tiverem expulsão decretada. A causa de 130 desses foi por homicídio.

Na próxima semana, o tema da HQ do Aos Fatos será a violência sofrida por policiais. Serão apresentados 5 fatos sobre a morte de policiais no Brasil.

https://aosfatos.org/noticias/desenhamos-fatos-sobre-violencia-policial-no-brasil/

Agressores de mulheres poderão ter que usar tornozeleira eletrônica

Projeto foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal 

Em relatório favorável ao projeto, o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) avaliou que o uso da tornozeleira eletrônica poderá contribuir para preservar a vida e a integridade física e psíquica de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. “A tornozeleira eletrônica permite que o agressor seja monitorado em tempo real pelo poder público e pode alertar automaticamente a vítima em caso de aproximação do agressor, permitindo que busque ajuda. O meio previsto é, portanto, eficaz para atingir o objetivo desejado“, afirmou Styvenson. Em sua opinião, a proposta se reveste “de especial importância num país que ainda ostenta a quinta maior taxa de feminicídios no mundo e onde diversas formas de violência contra a mulher continuam a crescer.”

Styvenson apresentou apenas uma emenda à proposta explicitando que o tipo de monitoramento ao qual será submetido o agressor — de localização. A intenção é evitar que o monitoramento inclua captação de imagens e de som ambiente, o que poderia levantar questionamentos judiciais sobre violação de intimidade e privacidade do monitorado. O texto agora segue para análise da Comissão de Constituição e Justiça, onde receberá decisão terminativa.

Fonte: sfnoticias

A morte no sistema prisional e a crueldade de representantes do Estado

 Às mortes ditas naturais nas prisões do Brasil e suas crueldades adjacentes, somam-se as mortes violentas. Há uma chance 6 vezes maior de morrer numa cadeia brasileira do que na sociedade livre.

“Hoje faz 7 dias que meu filho morreu. Eu pedi tanto para atenderem meu filho! Fui na assistente social, fui no enfermeiro, e não levavam o meu filho no hospital. A cada visita ele estava definhando mais. Sentia dores, passava muito mal. Eles me prometiam que ele seria levado no hospital, mas na semana seguinte, nada. Eu fui a tantos lugares. No final, meu filho foi internado e não me avisaram. Quando cheguei para visitá-lo na prisão, ele não estava. Levaram meu filho quase morto. Implorei para estar com ele no hospital.  Me disseram que precisava de autorização judicial. Eu não tinha mais forças, pedi ajuda para todo mundo, contratei um advogado e quando pude encontrá-lo, ele já não sabia mais que eu estava lá. Não mais podia dizer minha princesa, minha rainha, como ele fazia. Ele era um bom filho, sempre trabalhou, sempre me ajudou. Por que fizeram isso com meu filho? Por que não me permitiram o direito de ser mãe, de estar com ele”? 

Com detalhes e emoção, ela irradiou verdade. Falou numa reunião, repetiu numa audiência pública, insistiu de todas as formas que pôde porque não queria que outras famílias passassem pelo que a sua estava passando. As precariedades das condições de vida dos estabelecimentos prisionais não podem ser naturalizadas, ela dizia. Era uma voz eletrizante que denunciava: o Estado não pode se transformar, por ação ou omissão, no criminoso que ele diz querer punir, delegando aos servidores penais essa tarefa perversa de controle a qualquer custo em nome da suposta “proteção” da sociedade. 

O relato dilacerante de Ana, mãe de um jovem preso, reitera a análise de Vera Malaguti quando, ao tratar dos suplícios públicos do século XVIII às mazelas prisionais do século XXI, conclui que “a história da pena é mais violenta e horrível que a do crime”. Com 23 anos, detido pela primeira vez, ele não sobreviveu ao descaso da máquina penal.

Os crimes praticados por pessoas comuns contra outras podem ser revoltantes e trazer perdas irreparáveis. Porém, quando representantes do Estado o fazem, a perplexidade é maior. De qualquer pessoa se espera civilidade, mas de agentes estatais, para quem confiamos a vida e a segurança, exige-se responsabilidade, comprometimento com a verdade, preparo e a preocupação em agir de forma ética e dentro da lei. Quanto isso não acontece, a sensação de desamparo e injustiça tem efeitos sociais corrosivos.

O desespero de encontrar um familiar entregue à custódia do Estado sem remédio ou atendimento médico, transtorna. Na sociedade livre, muitas vezes também não são encontrados os recursos necessários, por falta de profissionais ou procedimentos as pessoas sofrem e perdem suas vidas. Porém, há a possibilidade de tentar buscar ajuda de amigos, ir a outros locais, aguardar o tempo que puder a consulta. A pessoa presa não tem essa alternativa, irá ver seu quadro se agravar sem sair da cela, dependendo de autorização para seguir a um ambulatório na prisão, quando existe, aguardando a liberação da escolta para o atendimento externo. Negar socorro não é pouca coisa. Os procedimentos administrativos sabem esconder intencionalidades atrozes. 

Os funcionários não passam ilesos, o sofrimento desses ambientes os atinge em várias dimensões. Ele pode ser expresso de algumas formas, uma é pelo adoecimento ao ver as pessoas presas sendo sujeitadas a rotinas antinaturais, ao descaso, à falta de sentido; outra é por meio da dessensibilização que permite justificar a atuação da instituição e a sua própria, admitindo ilegalidades e negligências, neutralizando o conflito interno.  

Neste contexto, as burocracias são muito funcionais, como máquinas, alienando as pessoas do significado do seu trabalho, operando os carimbos, escaninhos, autorizações e revogações. Mesmo em cenários desprovidos de lógica, elas são um recurso para que não seja necessário tomar contato com a dolorosa realidade. Por outro lado, presenciar ou participar de atos cruéis implica em pagar um preço em seu próprio senso de humanidade. A burocracia montada para desumanizar a pessoa presa só funciona se desumaniza também seus agentes.

Ana não foi a única pessoa que foi impedida de estar com seu familiar para ampará-lo e despedir-se quando em estado grave de saúde. Por vezes, mesmo a autoridade médica afirmando que são os últimos momentos da vida, que o quadro é imobilizador, a burocracia do controle requer uma autorização para o encontro. Familiares das pessoas presas são lançados como bolas de bilhar, em um jogo sem regras e razoabilidade, entre a administração penitenciária e o sistema de justiça: 

– “A senhora precisa solicitar ao juiz”. 

– “O diretor do presídio deve autorizar”. 

– “Pede para a Defensoria, é mais rápido”. 

Orientações desencontradas, em tempos próprios, que não correspondem ao fôlego da vida. 

Foi nesse cenário de insensibilidades que conheci Juliana. Ao receber a notícia do câncer do pai preso, viajou de outra cidade para visitá-lo em estado grave no hospital que havia sido internado. Ao chegar na UTI, foi informada pelos médicos do quadro e que, embora estivesse consciente, poderia não sobreviver até o dia seguinte. Os responsáveis pela escolta, mesmo conhecendo o prognóstico, entenderam que era necessária uma autorização judicial. Ela falou com o diretor do estabelecimento, implorou compaixão, tinha coisa importante a dizer, não teve sucesso. Foi ao Fórum, o juiz estava em audiência, não houve encaminhamento. Ligou para Ouvidoria Nacional, explicou o caso. Nossa vez de fazer contato com as autoridades no estado, inclusive o Secretário. Enfim, tarde da noite, a administração disse que autorizaria. Na manhã seguinte, quando se cumpriria a decisão, ao fazer contato com Juliana, soube que era tarde.

No estado inconstitucional de coisas do sistema prisional brasileiro parece que sempre é possível ficar pior. Se é difícil compreender a permissividade das autoridades com a ilegalidade do descumprimento da Lei de Execuções Penais em contraposição ao rigor da defesa da ordem pública pela enxurrada de prisões provisórias, imaginem aceitar a burocracia a serviço da vingança quando a ampulheta da vida chega ao fim. 

Às mortes ditas naturais nas prisões do Brasil e suas crueldades adjacentes, somam-se as mortes violentas. Há uma chance 6 vezes maior de morrer numa cadeia brasileira do que na sociedade livre. Um massacre não é fato fortuito. Tensões, medos, ameaças antecedem e sucedem esses assassinatos atrozes. Funcionários, mães, pais, filhos e tantas outras pessoas conhecidas das pessoas presas são impactadas de forma permanente. João, José, Rodrigo, Cezar, Daniel, homens e mulheres, tem sua existência interrompida sob a custódia do Estado, com sentimentos de indiferença e até satisfação de parte da população.

Afinal, o que queremos para o nosso país?

Para uns – como policiais e agentes penitenciários – entregamos a ilusória capa do Batman, exigindo o sacrifício do herói por um resultado que não lhes cabe; para outros, imprimimos a etiqueta do inimigo público, alvo fácil que justifica a violência da repressão estatal. Vidas e dinheiro público se esvaem nessa guerra fabricada que processa como questão burocrática banal a vida e a morte de pessoas.  

Lidar com a violência e a criminalidade presentes na sociedade brasileira implica compreender os fenômenos multifatoriais envolvidos e as estratégias de prevenção e enfrentamento necessárias. Reverberando os discursos mais simplistas, vingativos e cruéis, as autoridades estatais dizem não só da sua incapacidade de exercer sua função, mas também alimentam o que há de pior em nossa sociedade, carcomem nossa noção de justiça, nos fazem retroceder na nossa expectativa civilizatória.

Valdirene Daufemback é psicóloga, doutora em Direito e coordenadora do Laboratório de Gestão de Políticas Penais da UnB. Foi ouvidora e diretora do Departamento Penitenciário Nacional e perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.


 

Fonte: justificando

Quando a punição ultrapassa o preso e afeta as famílias

Jornada das famílias para visitar presos no Ceará passa por uma série de restrições, de roupas a alimentos, que muitas vezes impossibilita o tão esperado encontro

 Naquele sábado, desde antes do sol nascer, a entrada do complexo prisional de Itaitinga era marcada por um pálido ambiente branco e cinza formado por familiares – em sua maioria mulheres – que viajaram de todos os cantos do estado do Ceará para visitar seus entes queridos que estão encarcerados. Desde a chegada do novo Secretário de Administração Penitenciária, a exigência de uniformização dos presos foi estendida às famílias: só se pode visitar vestindo calça cinza, blusa branca e chinelo branco. 

Ninguém sabe dizer onde consta essa obrigação, mas o fato é que quem não estiver vestido assim não entra. Se tiver bolso na calça ou detalhe na blusa, é dar meia volta. As crianças, correndo por ali, também usam as mesmas cores que as mães. “Eles dizem que pra criança não precisa, mas qualquer roupa que eu coloco nele inventam um motivo pra mandar voltar. Pra não ter que passar esse sufoco toda vez, prefiro trazer ‘fardado’ também”, comenta uma mãe.

Antes de seguir às unidades, as famílias passam por algumas barracas de venda montadas à beira da BR. Para quem tiver condições de arcar com mais esse gasto, lá existem as “guardadeiras”, com quem se pode deixar a bolsa até o término da visita, pois nos presídios não tem armário. Para quem não tiver esse dinheiro, é tentar a sorte, escondendo os pertences no mato. 

Na bolsa, a importância de levar uma troca de roupa: quem fizer o trajeto para casa de branco e cinza é reconhecido nas ruas e no transporte como “família de bandido”. Com sorte, são só olhares tortos e humilhações. O medo mesmo são as retaliações e cobranças entre as facções que tomam conta de um ou outro território, e para quem o rótulo de “familiar de preso”criado pelas exigências do Estado é um prato cheio.

As “guardadeiras” também vendem produtos de higiene e uniforme. Diante da falta de fornecimento de itens básicos por parte do Estado, são as famílias que garantem, por meio da entrega do malote, que os presos recebam roupas e materiais para limpeza. O uniforme dos presos é um calção laranja e as mesmas blusas e chinelos brancos. Desodorante, só se for rolon transparente, e ainda tem que jogar fora a bolinha que se usa para passar. “É que a bolinha abre cadeado”, brincou uma mãe, já esgotada com as restrições sem propósito. A pasta de dente tem que ser espremida inteira em um saquinho transparente. Se estiver com embalagem, não entra. 

Barracas perto do complexo prisional: venda de lanches, de roupas e aluguel de espaço para guardar os pertences | Foto: Luisa Cytrynowicz/Pastoral Carcerária

Por fim, são vendidas comidas. Para as famílias, chegadas de viagem, e para levar na visita. Aos presos, é permitido aos familiares levar somente quatro sanduíches do tipo misto (com exatas uma fatia de presunto e uma de queijo, sem manteiga ou maionese no meio), uma maçã, um refrigerante – que não seja escuro – e uma garrafa de água. Essa se mostra de grande valia, pois é a possibilidade de ao menos uns goles de água potável em um cotidiano em que toda a água disponível – para banho, descarga e para beber – vem do mesmo tanque. 

E após todo esse trabalho preparando os itens para a entrega, muitas familiares ainda não conseguem entrar, pois a entrega do malote é possível apenas em dias específicos, detalhados em um calendário que muitas das famílias não têm acesso. E quando a data muda, elas não são avisadas, ou acabam não vendo, sendo obrigadas a retornar para a casa, com omalote em mão.

As ‘fardas’ da visita e do presidiário, galões de água potável que são como ‘ouro’ em um ambiente em que essa substância básica não existe | Foto: Luisa Cytrynowicz/Pastoral Carcerária

Antes, havia uma quantidade maior de alimentos permitidos. Ainda que as famílias tivessem sérias dificuldades financeiras na compra dos materiais, o corte bruto das comidas e itens permitidos no malote é motivo de grande aborrecimento nas filas – são muitas as mães que sinalizam que deixariam de comprar o próprio alimento para dar de comer ao filho lá dentro. E a comida não só não melhorou, contam, como tem vindo em menor quantidade. “Por que então não deixam que a gente traga?”, questiona uma mãe.

Depois que a onda de branco e cinza seguiu a caminhada rumo aos presídios, uma senhora ficou, o olhar perdido na estrada. “Não vai visitar?”, indaguei. Ela contou que mora a uns 400 km de distância dali. Sem dinheiro para a passagem, conseguiu uma carona de quinta para sexta-feira de sua cidade pra lá. A visita de seu filho era só no domingo, mas o importante era chegar.

Agradeceu a Deus o transporte e mandou-se para Itaitinga, uma mão na frente e outra atrás. Sem um centavo para comida, muito menos hospedagem. Disse ao marido que tinha uma amiga por lá, onde poderia dormir. Ela não conhecia ninguém, mas era o jeito de ir. Perguntei se ela estava dormindo ali mesmo, na porta do complexo. “Não é bem dormir, que pegar no sono eu não pego. Mas tô passando o dia – e a noite – por aqui”. Apesar da fome, não se cabia de ansiedade para encontrar o filho. Fazia meses já que não o via. Antes, o filho estava preso na cidade em que vive a família e a mãe lhe fazia visitas regulares. Com o fechamento da cadeia em que ele estava, no entanto, à distância das grades se somaram centenas de quilômetros. 

Assim como seu filho, milhares de outros presos foram transferidos para longe depois que a Secretaria de Administração Penitenciária fechou quase 100 cadeias públicas espalhadas por todo o estado no início deste ano, colocando ainda mais gente nos já superlotados presídios concentrados na região metropolitana de Fortaleza e nos polos do Cariri e de Sobral. Alguns presídios tiveram a população mais do que duplicada em um intervalo de poucos dias. E se nem juízes, promotores e defensores foram avisados das transferências, o que dirá as famílias. A senhora que repousava na porta do complexo suou para descobrir onde haviam levado seu filho. Seu único filho.

Para chegar à entrada de qualquer um dos presídios da região metropolitana de Fortaleza é preciso estar fardado e a pé, já que a van que subia aos presídios mais distantes foi proibida de passar do primeiro portão. Sob chuva ou sol, de bengala ou com crianças de colo, as familiares caminham até a unidade que vão visitar. As visitas ocorrem entre 8h e 13h. Naquele sábado em Itaitinga, sob o sol a pino, a fila andava a passos lentíssimos. “Problema no sistema”, alguém comentou. A maior parte das pessoas ainda aguardava entrada, horas depois, quando o relógio bateu 11h45 e nós deixamos o local. 

Nesse intervalo de tempo, conversamos com algumas mulheres que percorriam o caminho de volta. “Disseram que meu marido mudou de vivência”, comentou uma senhora, quando lhe perguntamos o motivo do retorno. “Castigo”, disse outra. O relato de que vez ou outra se dá com a cara na porta é geral: sempre que o preso muda de “vivência” (pavilhão) ou de cela, por qualquer motivo que seja, ou quando a “vivência” ou a cela estiverem de castigo (o tal do castigo coletivo proibido pela legislação), a visita é barrada. 

E avisar a família –  para que esta não tenha que se deslocar, por vezes de outras cidades, colocar uniforme, preparar os quatro mistos com exatas uma fatia de presunto e outra de queijo, gastar o dinheiro que não tem, se revirar na cama com o nervoso da visita na noite de véspera, caminhar a pé da entrada do complexo, aguardar uma manhã inteira de fila no sol para ouvir que “ele mudou de cela” –  não faz parte do protocolo das unidades prisionais. E como ocorre agora em todo o estado, a próxima tentativa é só dali a 15 dias.

Fonte: ponte

Liderança do PCC ordenava crimes de dentro de presídio federal

Investigações do MPCE constataram interferência de facção em ações criminosas no Estado. Dois mandados de prisão foram expedidos contra 'Bin Laden', que comandava ataques e autorizava envio de armas ao Ceará

 

 A interferência da cúpula da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), nos crimes ocorridos no Ceará, se comprovou mais uma vez, segundo investigações do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). O órgão chegou ao nome de Célio Marcelo da Silva, o 'Bin Laden', acusado de integrar a 'Sintonia dos estados e países' do PCC, com influência nacional, e estaria ordenando uma série de ataques no Ceará.

Ontem, o MPCE deflagrou a Operação Al Qaeda, como desdobramento da 'Operação Saratoga', ocorrida em dezembro de 2017. De acordo com as investigações, o PCC estaria aumentando sua influência no Estado e ampliando o número de membros 'batizados', com objetivo de ter mais atuação dentro e fora dos presídios. As diligências foram articuladas nacionalmente dentro de uma megaoperação.

O promotor de Justiça Adriano Saraiva, do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) do Ministério Público, afirmou que o nome Al Qaeda foi dado à operação devido à participação do 'Bin Laden' do PCC. Segundo o promotor, mesmo preso desde o ano passado, Célio Marcelo permanecia interferindo diretamente na criminalidade no Estado. A última localização dele era a Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia.

"Com os ataques de janeiro, o Gaeco Ceará começou a fazer uma investigação profunda nisso e muitas destas pessoas estão sendo presas agora. Os alvos foram pessoas ligadas à facção criminosa", disse o promotor. Saraiva ainda informou que durante o cumprimento dos mandados de prisão e busca e apreensão, realizado ontem pelo órgão investigatório em Fortaleza, a mulher de 'Bin Laden' foi presa. A companheira da liderança do PCC residia no Ceará com parte da família do casal.

Envio de armas

Célio Marcelo seria o responsável por determinar o envio de armas a integrantes da facção criminosa. Nas cartas supostamente escritas por ele e interceptadas por agentes, havia a ordem de distribuição de armas de grosso calibre para Santa Catarina e Ceará.

O promotor destacou que a operação foi planejada nacionalmente pelo Genecoc (Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas). "Nós nos reunimos no início do ano e planejamos uma ação conjunta. A gente sabe hoje que essas facções estão espalhadas por todo o País e uma ação dessa magnitude iria enfraquecer essas organizações criminosas e hoje foi deflagrada em vários estados do Brasil".

O órgão informou que as diligências foram realizadas simultaneamente pelos estados do Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Rio de Janeiro. Com auxílio de forças policiais, foram cumpridos, no total, quase 300 mandados de prisão e de busca e apreensão no Brasil.

Interior

Além da Operação Al Qaeda, o MPCE também deflagrou ontem a Operação Jericó. O promotor informou que, juntando as duas operações, foram expedidos 35 mandados de prisão e 29 de busca e apreensão nas cidades de Fortaleza, Independência, Sobral, Juazeiro do Norte, Groaíras, Aquiraz, Maracanaú e Pacatuba. Segundo o órgão, além do Gaeco, as promotorias de Justiça de Juazeiro do Norte, Sobral e Independência estiveram envolvidas no trabalho.

"Tem uma parte que já estava no Sistema Prisional e outra foi presa fora do Sistema. Na (Operação) Jericó são presos do Sertão Central no Ceará que fazem parte da mesma organização criminosa. Em Juazeiro, foram cumpridos dois mandados de pessoas que não estão na prisão e uma que já estava", afirmou Saraiva.

A reportagem apurou que um dos mandados cumpridos no interior era contra um detento da Penitenciária Industrial Regional do Cariri (Pirc) e os outros contra duas mulheres que foram presas e tiveram seus celulares apreendidos. A operação 'Jericó' teve início a partir de informações fornecidas pela Coordenadoria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).

Ainda conforme o Ministério Público, foi apurado que "entre os meses de novembro de 2018 e fevereiro de 2019, os investigados praticaram uma série de crimes, principalmente tráfico de drogas, associação para o tráfico, comércio irregular de arma de fogo, planejamento de homicídios e ataques a agentes e a equipamentos públicos, tanto na capital quanto no interior do Estado". O MPCE informou que não poderia divulgar os nomes dos capturados.

Fonte: diariodonordeste

Mais artigos...

vetenuo

bannerdisponivel

bannerdisponivel

bannerdisponivel

bannerdisponivel

Impakto nas Redes Sociais

                                  Saiba os benefícios de usar o LinkedIn para a sua vida profissional - IFS -  Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe 

blogimpakto  acervo       jornalismoinvestigativo      Capa do livro: Prova e o Ônus da Prova - No Direito Processual Constitucional Civil, no Direito do Consumidor, na Responsabilidade Médica, no Direito Empresarial e Direitos Reflexos, com apoio da Análise Econômica do Direito (AED) - 3ª Edição - Revista, Atualizada e Ampliada, João Carlos Adalberto Zolandeck   observadh

procurados

Desenvolvido por: ClauBarros Web