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Governadora diz que fará 'investigação profunda' após órgão federal apontar tortura, comida estragada e contaminação proposital em presídios do RN

Foto tirada durante inspeção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura mostra presos em posição de 'procedimento' em unidade prisional no RN.  — Foto: Acervo do MNPCT, 2022. As denúncias, reveladas pelo g1, foram feitas a partir de inspeções em novembro de 2022 do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), um órgão federal associado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

"O nosso governo jamais compactuará com nenhuma medida de arbítrio. Portanto, essas denúncias serão investigadas pelo próprio governo. Nós temos feito um esforço grande aqui no sentido de avançar no que diz respeito aos projetos de ressocialização, na área de educação, na área de preparação para o trabalho, que inclusive é referência a nível nacional. E essas denúncias, por parte da governadora, o que caberá e será feito uma investigação profunda para saber se isso procede”, afirmou Fátima.

O secretário de Administração Penitenciária, Helton Edi, afirmou que duas reuniões foram feitas desde a inspeção e que "as providências vem sendo adotadas, e os fatos vem sendo apurados".

As violações constatadas nas inspeções em cinco unidades de privação de liberdade potiguares, entre elas a Penitenciária Estadual de Alcaçuz (palco da maior e mais violenta rebelião do sistema potiguar), serão publicadas em um relatório que está em fase de aprovação pela plenária do MNPCT. O Rio Grande do Norte tem 19 estabelecimentos penais.

Mensagens que circularam nas redes sociais e são atribuídas à facção dominante no estado criticam as condições -- apontadas como "degradantes" -- dentro dos presídios.

A Secretaria Estadual de Segurança Pública não descarta que a ordem para a onda de ataques a tiros e incêndios tenha partido de dentro de presídios. O secretário Francisco Araújo afirmou nesta quarta (15) que os ataques foram motivados por exigências de "regalias", como aparelhos de televisão e visitas íntimas, para presos.

Más condições

"Quanto piores as condições do sistema prisional, maior a violência aqui fora", diz a antropóloga Juliana Melo, professora na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ela acompanhou de perto a rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, que deixou 27 mortos em 2017, e seus desdobramentos.

"No Rio Grande do Norte, o sistema prisional funciona a partir da prática sistemática de torturas físicas e psicológicas", afirma Bárbara Coloniese, perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). "Trata-se de uma engrenagem de falta de alimentação, desassistência em saúde e superlotação".

"Em uma das unidades, flagrei uma pessoa que estava há 39 dias numa cela de castigo. Quando eu abri a portinhola foi difícil de respirar. Tinha uma atmosfera irrespirável pelo cheiro daquele espaço. Imagine a situação dessa pessoa", contou ela ao g1.

Coloniese integrou a equipe do MNPCT que, entre 21 e 25 de novembro de 2022, realizou inspeções em cinco unidades de privação de liberdade no Rio Grande do Norte: Penitenciária Estadual de Alcaçuz, Cadeia Pública Dinorá Simas Lima Deodato (chamada de Ceará Mirim), UPCT (Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento), Hospital Psiquiátrico Severino Lopes e Comunidade Terapêutica CERENA.

As inspeções foram realizadas de forma conjunta com a Defensoria Pública estadual, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e Cidadania e com o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. O MNPCT já havia realizado inspeções similares em unidades do estado em 2018 e em 2017, após o massacre em Alcaçuz. Coloniese integrou a equipe também em 2017.

Após a última visita, as autoridades locais foram informadas sobre a situação nas unidades inspecionadas por meio de ofícios enviados ao governo estadual e ao Ministério Público Estadual.

O Ministério Público do Rio Grande do Norte, também procurado pelo g1, afirma que recebeu representação sobre dois assuntos específicos e não relacionados à situação nos presídios. Segundo o MPRN, as providências cabíveis estão sendo tomadas (veja a nota na íntegra abaixo).

Violações no sistema prisional

Segundo a inspeção realizada pelo MNPCT em novembro de 2022, o quadro nas unidades visitadas é de falta de assistência de saúde. Foram encontrados casos de problemas de pele, meningite e de tuberculose, muitos sem receber os tratamentos adequados, com pessoas "escarrando sangue".

"Nós flagramos uma situação numa cela de castigo, onde eles colocavam uma pessoa com o tratamento iniciado de tuberculose, quando ele ainda era um vetor de contaminação, dentro da cela como forma de castigo para que as outras pessoas que não tinham tuberculose fossem contaminadas", relata Coloniese.

Foto tirada durante inspeção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura mostra escarro de sangue de preso com tuberculose. — Foto: Acervo do MNPCT, 2022.

O quadro de saúde dos presos é agravado pela falta de alimentação adequada. De acordo com a inspeção do MNPCT, a alimentação oferecida é precária, com baixo valor nutricional -- isso quando não está estragada. A falta de comida própria para consumo já vem causando um quadro de fome e emagrecimento entre os presos.

"Foi muito impressionante, porque em muitas dessas verificações o cheiro das marmitas causava náuseas, enjoo", conta Coloniese. "Mesmo com uma máscara muito potente em relação à prevenção contra a Covid-19, eu conseguia sentir o cheiro do azedo".

Segundo a Lei de Execução Penal, é dever do Estado brasileiro prover às pessoas sob sua custódia alimentação e instalações higiênicas, além de assistência à saúde, incluindo atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

Nas unidades visitadas, segundo a perita, havia pessoas machucadas ou com marcas de tortura em todas as celas inspecionadas.

Foto tirada durante inspeção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura mostra sequela na mão de preso que teve os dedos quebrados pelas autoridades da unidade prisional. — Foto: Acervo do MNPCT, 2022.

"Percebemos também um alto nível de tortura psicológica, porque bastava os policiais mexerem na arma para eles se colocarem em posição de procedimento", diz Coloniese.

"Procedimento" se refere a uma posição em que os presos precisam se colocar ao ouvir o comando dos policiais penais: no chão, sentados, com as mãos na cabeça, um encaixado no outro. Segundo os relatos colhidos pelo MNPCT, se os presos não se colocam rapidamente na posição, são atacados com balas de borracha e gás de pimenta.

Foto tirada durante inspeção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura mostra presos em posição de 'procedimento' em cela apertada em unidade prisional no RN. — Foto: Acervo do MNPCT, 2022.

"Nunca vou esquecer o rosto daquelas pessoas. O pânico, o sofrimento, a dor, estavam estampadas escandalosamente nos rostos delas", diz a perita.

Nas unidades inspecionadas, há ainda um problema de superlotação, com celas abrigando 40 a 60 pessoas.

Segundo a Secretaria de Estado da Administração Pública (Seap), atualmente são 7.804 presos para apenas 6.353 vagas. Um déficit de 1.451 vagas.

Foto obtida pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura mostra detento com marcas de balas de borracha. A violência física teria ocorrido como forma de retaliação contra detentos que conversaram com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. — Foto: Acervo do MNPCT, 2022.

Histórico de problemas

A situação encontrada pelo MNPCT não é inédita. A antropóloga Juliana Melo, professora na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), acompanhou grupos de familiares de presos durante anos após o massacre de Alcaçuz, em 2017.

"Eles relatavam torturas dos mais variados tipos, como beber água sanitária, choque elétrico, ficar horas em posição de procedimento, ser obrigado a andar nu. Sem falar na humilhação dos familiares na hora de fazer a visita", afirmou ela ao g1.

"Isso gera muita revolta no sistema e acaba transbordando para a rua, como estamos vendo agora, provocando uma espiral de violência", diz Melo.

A perita Bárbara Coloniese, que esteve em Alcaçuz em visita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura após o massacre, afirma que as condições para os detentos pioraram de lá para cá, com o enraizamento de práticas degradantes por parte dos policiais penais.

"Precisamos construir presídios que valorizem a dignidade humana para que essas pessoas saiam recuperadas para um convívio que, inevitavelmente, vai acontecer -- já que no Brasil não temos pena de prisão perpétua. Em vez disso, nossas prisões acabam potencializando os criminosos e criando pessoas que saem de lá com ódio e vontade de se vingar", afirma a antropóloga Juliana Melo.

Ela lembra que o Brasil tem a terceira maior população carcerária no mundo e que, portanto, se os presídios brasileiros "resolvessem alguma coisa, o país seria perfeito".

Segundo ela, para romper com essa espiral é preciso investir em educação – "a cada 10 presos", diz Melo, "sete não tem ensino fundamental completo" e trazer dignidade para as prisões.

Ministério Público Estadual

Procurado pela reportagem do g1, o Ministério Público do Rio Grande do Norte afirmou:

"Em relação às violações apontadas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura em novembro do ano passado em unidades prisionais do RN. o MPRN recebeu representação sobre dois assuntos específicos:

a) um possível suicídio de um interno da Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento (UPCT);

b) a alegada irregularidade na ampliação da referida UPCT, onde está sendo construído um alojamento para mulheres que cumprem medida de segurança (só existiam vagas masculinas).

As providências cabíveis estão sendo tomadas em relação a esses dois pontos."

Fonte: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2023/03/15/governadora-diz-que-fara-investigacao-profunda-apos-orgao-federal-apontar-tortura-comida-estragada-e-contaminacao-proposital-em-presidios-do-rn.ghtml

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